O Grupo Corpo, uma das mais importantes companhias de dança contemporânea do Brasil, antecipou em vários meses a comemoração pelos seus 45 anos de atividade. O motivo, que merece toda pompa e circunstância, é o convite feito pelo venezuelano Gustavo Dudamel: regente titular da Orquestra Filarmônica de Los Angeles, ele encomendou ao grupo a criação de uma coreografia especial, que será apresentada em quatro sessões em outubro, na sala principal do Walt Disney Concert Hall, na cidade americana.
Aos 39 anos, Dudamel é um dos mais carismáticos maestros da atualidade – conhecido pela cabeleira cacheada e o hábito de se vestir descompromissadamente, é o principal divulgador do El Sistema, projeto educacional venezuelano de inclusão social por meio da música. Já o Corpo é uma companhia essencialmente brasileira, que reflete em suas criações a pluralidade e complexidade do País.
Teria sido esse o detalhe que despertou o interesse de Dudamel? “Realmente, não sabemos. Acreditamos que ele tenha visto uma apresentação durante alguma das nossas excursões para os Estados Unidos e tenha realmente gostado”, comenta o diretor artístico do Corpo, Paulo Pederneiras, também um de seus fundadores. Depois de refletir um pouco mais, ele arrisca dizer que há uma confluência de interesses entre os do maestro e os do grupo mineiro: uma criatividade que, moldada com precisão e rigor, garante uma excelência técnica para mesclar o popular e o erudito.
Embora anunciado agora, o convite de Gustavo Dudamel chegou no ano passado, logo depois do Corpo estrear sua mais recente coreografia, Gil. Passadas as apresentações, Paulo e a diretora de programação Cláudia Ribeiro rumaram para Los Angeles, a fim de conhecer as qualificações técnicas do Walt Disney Hall (portentoso teatro que se destaca pela arrojada arquitetura modernista de Frank Gehry) e a equipe com a qual vão trabalhar.
“Quando perguntamos sobre quais seriam as restrições para a coreografia, o grupo do Dudamel nos respondeu com palavras mágicas: pode tudo”, diverte-se Paulo. “Percebemos que o primeiro desafio será como ocupar o palco que, embora apresente 20 metros de largura, tem uma pequena profundidade”, completa Rodrigo Pederneiras, irmão de Paulo e coreógrafo da companhia.
Ele vai criar os passos e movimentações a partir da melodia da peça Estancia, criada pelo compositor argentino Alberto Ginastera em 1941 e uma das preferidas de Dudamel. “É um trabalho criado especialmente para o balé, em uma época em que a dança era narrativa, ou seja, conta uma história”, explica Rodrigo. “Tem a duração de 33 minutos e Ginastera se baseou sobre os poemas de José Hernandez, especialmente El Gaucho Martin Fierro.”
Tal estrutura irregular, portanto, vai exigir uma coreografia com várias camadas, pois alterna momentos de intensa movimentação com os declamados. “Será a hora ideal para os bailarinos respirarem um pouco”, completa Rodrigo, um dos mais elogiados coreógrafos brasileiros – segundo Inês Bogéa, atual diretora da São Paulo Companhia de Dança e ex-bailarina da companhia mineira, o coreógrafo é hábil em traduzir visualmente uma partitura musical, utilizando seu próprio vocabulário. “Ele se vale da gravidade, mas desafia os limites pela possibilidade de articulação das diferentes dinâmicas em distintas partes do corpo”, disse ela, quando da abertura da Ocupação Grupo Corpo, no Itaú Cultural, em 2015.
A companhia está no Estados Unidos desde sábado, cumprindo uma temporada de apresentações em seis cidades, encerrando em Vancouver, no Canadá, nos dias 28 e 29. Os irmãos Pederneiras ainda não se encontraram pessoalmente com Dudamel para os primeiros ajustes. “Mas já marcamos uma videoconferência para as conversas iniciais”, observa Paulo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.