O corpo como suporte

Não é a intenção do crítico e curador Paulo Reis situar a performance em um lugar isolado com uma origem única e fixa, mas sim compreender as interligações do ato performático com os lugares, captar o instante em que se materializa uma ideia.

No livro O corpo na cidade -performance em Curitiba, o pesquisador faz um levantamento do gênero nas últimas três décadas. O projeto é um dos aprovados no edital de ocupação de espaços públicos da Fundação Cultural de Curitiba, do qual fez parte ainda uma exposição, realizada em outubro de 2009 no Solar do Barão.

Com o caráter efêmero e a escassez de registros na área da performance, o pesquisador estruturou a pesquisa com base em textos de jornais, conversas com críticos, estudiosos e artistas. Um mapeamento organizado com base em fotografias, slides e vídeos completa o material. Essa trama de fotografias e textos produz uma reflexão artística e histórica sobre as pesquisas no gênero da performance.

A primeira parte da publicação apresenta uma cronologia de imagens desde o início dos anos 70, com os Encontros de arte moderna idealizados pela crítica Adalice Araújo. O último registro é da ação Contatos (2002-2009), proposta por Newton Goto. As questões se inscrevem – em um segundo momento – em forma de verbetes que se constroem a partir de pesquisa bibliográfica, depoimentos, sites e blogs.

Os Encontros de arte moderna, sintonizados com o panorama nacional da arte do momento, são especialmente colocados pela importância na formação de um grupo de artistas da cidade e do meio artístico em geral. Suas primeiras edições instauraram a reflexão contemporânea sobre as artes visuais, com a colaboração de artistas e críticos de vanguarda do Brasil.

Reis destaca que as performances não são feitas somente ao vivo, mas podem utilizar suportes como a fotografia e o vídeo, como é o caso de Rettamozo, na obra Rettamorfose/Emoções Geométricas. Nela, o artista está dentro de uma fotografia e, a cada quadro, puxa as pontas até ficar fechado ali. “Pela forma/ou pela forma/o homem/re-trans/f-torna”, acompanha as imagens. Entre outros pioneiros do gênero destacam-se ainda Sergio Moura e Lauro Andrade.

Artistas da atualidade também estão presentes na obra, como o Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial, com o trabalho Infiltrações – procedimento nômade para café, praça, vídeo e sala de exposição. Nessa pesquisa, buscou-se uma compreensão das questões da arte e do espaço publico propondo, como operações poéticas, interações com o publico e o meio urbano.

Do coletivo Interluxartelivre, destacam-se Domingo na urbe (2005), no qual um espaço degradado da cidade e ativado pela ação artística, e o vídeo 6:00 am (2008), onde os artistas tomam de assalto um outdoor de propaganda de automóvel e o transformam visual e semanticamente. Debora Santiago aparece com a vídeo-performance Dirigível (2003), um dos seus trabalhos que caracterizam-se pela maneira como integram o espaço expositivo, num diálogo delicado com a arquitetura. São nestes contextos que o corpo desponta como substância de reflexão artística e foco de discussão.

Cada artista e trabalho catalogado por Reis culminou em uma ampla abordagem sobre as práticas das ações performáticas em Curitiba. “O contexto da performance aqui está em sintonia com o restante do País. Se dividimos em décadas, as questões dos anos 70 dialogam com as de agora, como a experimentação, que foi o que mais me instigou de um modo geral, seja ao vivo, em vídeo, ou fotografia”.

Em relação à própria linguagem da performance, uma seleção de materiais do livro permite ver mudanças progressivas, como a incorporação de d,iversas vertentes e o impacto das novas tecnologias. Paralelamente à somatória de novos conceitos -em diálogo direto com o cenário nacional – o espaço do corpo e da cidade passou a ser explorado de maneira diferente. O espectador pode ver na internet e baixar o arquivo em video da obra Áudio 65 (2002) do artista Fabio Noronha. “Ele está trabalhando com a idéia de que a performance é sintonizada com a própria web”.

Consciente de que a arte está em processo contínuo, o pesquisador acredita que a elaboração do trabalho “só se justifica na consciência da tarefa inacabada e em sua continuada construção”.

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