O Carnaval brasileiro das antigas não existe mais

Semana passada, na domingueira carnavalesca, milhões de pessoas foram às ruas nos quatro cantos do Brasil. Houve festa por todo lado – no Amazonas, danças típicas; em Minas Gerais, o agito das cidades históricas; na Bahia, a incrível passagem dos trios elétricos; em Recife, o frevo tomando conta das ruas; em São Paulo, bailes populares após os desfiles de sexta-feira e sábado; no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Florianópolis, em Antonina, em Foz do Iguaçu, a beleza (cada um com seu limite, claro) dos blocos e escolas de samba. Pelos clubes e bares, bailes infantis e adultos. Tudo como sempre foi neste período do ano no Brasil. Ou melhor, não.

O Carnaval de hoje não é como o Carnaval das antigas. Nos últimos vinte anos, a maior festa popular do País transformou-se, deixando de ser uma expressão real da cultura brasileira para ser um evento musical com influências (diretas e indiretas) de todo o planeta. A participação da indústria do showbiz e da mídia revolucionou a festa, deixando-a mais palatável para o gosto dos jovens.

Esta é uma situação repetida indefinidamente pelos especialistas em cultura popular, mas que vale ser reforçada. As “ondas”, os “modismos” e os “sucessos” são sempre ditados pela juventude. Quem tem entre vinte e trinta anos talvez não consiga acreditar, vendo em remissão as músicas que estavam nas paradas desde os anos 40s, quando a mídia começou a ditar os caminhos da cultura mundial.

Em 1939, Frank Sinatra era a estrela das mocinhas norte-americanas. Em 1958, a música jovem brasileira era a Bossa Nova. Logo depois, foi a vez da Jovem Guarda. Dez anos mais tarde, a Tropicália dava o tom. Em 1972, ser jovem “antenado” era ouvir canções de Maria Bethânia e Chico Buarque. E hoje a música jovem é o funk dos MCs cariocas, o “sertanejo universitário” de Victor e Léo, o “emocore” do NX Zero e do Fresno e o axé de Ivete Sangalo e Cláudia Leitte.

E é isso que escutamos no Carnaval. De bermuda e camiseta, apenas com trajes de banho ou com fantasias turbinadas, escutamos Fada, Entre razões e Emoções e Cadê Dalila? na mesma sequência, possivelmente no mesmo trio elétrico ou com a mesma banda. E pulamos como loucos, entrando no embalo da garotada.

No passado era diferente. Primeiro que as escolas de samba do Rio de Janeiro, hoje empresas que lucram com o Carnaval, eram “autênticas’, e desfilavam na Praça Onze e na Avenida Rio Branco – e não na suntuosa Marquês de Sapucaí, onde só os mais ricos podem acompanhar. E o samba daquela época era mais sincopado, era quase uma marcha-rancho com letras fáceis de serem acompanhadas. Mesmo quando o samba “acelerou’, a partir dos anos 70s, havia sambas-enredo como Pega no Ganzé ou Sonhar com rei dá leão, que viraram sucessos até depois do Carnaval.

E havia as marchinhas, verdadeiros patrimônios culturais do Brasil. A música popular brasileira é quase toda derivada das marchinhas e dos sambas dos anos 40s e 50s. Você conseguia passar um baile de seis ou sete horas sem repetir uma canção sequer – a rigor, repetia-se Cidade maravilhosa, trilha do início e do final dos bailes, que eram os grandes eventos do Carnaval em todo o País, inclusive em Curitiba (nossos clubes faziam festas inesquecíveis). De resto, você embalava e dançava ao som de Linda morena, Cabeleira do Zezé, Aurora, Bandeira Branca, Máscara negra, Maria Sapatão, Pastorinhas, Vai com jeito, Nós os Carecas…

Estas canções estão “proibidas” nas listas do carnaval. São consideradas músicas “do passado”, “por fora”, “atrasadas”, “idiotas”, “sem sal’. Não interessam sequer aos grandes nomes da MPB – que ou se consagram no período carnavalesco, ou preferem a reclusão para começar temporadas só na Quaresma. E, assim, o espaço fica livre para que as “ondas do momento” sejam as estrelas da festa popular.

cristiantoledo@oestadodoparana.com.br

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