Giacomo Casanova (1725-1798) tornou-se um mito Ocidental. Ícone da conquista amorosa, da potência masculina, da elegância do amor libertino, passou a ser desmistificado assim que esses valores, outrora indiscutíveis, passaram a ser questionados. Depois de Federico Fellini e Ettore Scola, entre outros, é a vez de Benoît Jacquot flagrar Giácomo em seus anos maduros e – pior – diante de uma situação amorosa fora de controle do velho sedutor.
Cineasta experiente, Jacquot constrói seu Casanova como um trabalho de memória. Ele está já em seu paradeiro final, na grosseira corte da Saxônia, onde foi buscar pão e repouso. Seu tempo passou. Chegou a hora da memória e da reflexão. Como a narrativa é um conforto da velhice, ele conta seus casos a uma jovem da corte.
Em O Último Amor de Casanova, um dos destaques da Mostra, Giacomo (Vincent Lindon) evoca uma passagem de sua existência, quando refugiou-se na Inglaterra. Sem conhecer nada do país, e nem mesmo o idioma, não tinha a mesma desenvoltura de outros tempos e passou a relacionar-se de maneira exclusiva com uma jovem cortesã, Marianne de Charpillon (Stacy Martin). Com a Charpillon, Casanova comete o pecado capital de qualquer conquistador profissional – apaixonar-se. E sem ser correspondido. Quanto maior o assédio, mais Marianne se distancia, até lhe dizer que ele só a teria no momento em que deixasse de desejá-la. Um lindo (e terrível) paradoxo: só me terá quando isso não tiver mais a menor importância.
Lindon compõe seu personagem com toda a dignidade e elegância. É um ator soberbo, capaz de passar uma gama de significados com o gestual refinado e expressões faciais controladas. Tal desempenho é próprio do ator, mas também faz parte de uma filosofia de direção que prima pela discrição e, também, por uma talvez voluntária ausência de inventividade.
Um tanto acadêmico, O Último Amor de Casanova é respeitoso com o personagem. Mesmo em sua decadência, o sedutor veneziano é retratado com elegância. Não mostra o tom patético do Casanova de Scola (Marcello Mastroianni) às voltas com a Revolução Francesa. Muito menos é retratado como boneco patético, como fez Fellini com seu Giácomo interpretado por Donald Sutherland.
O Casanova de Lindon é um cavalheiro que sucumbe em sua última cartada, falha na arte em que era virtuoso e entrega os pontos ao tempo, esse adversário implacável e paciente. Com a dignidade dos vencidos, que podem estampar como consolo seu passado de glória.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.