Não é possível encarar a produção de teatro paulistana desvinculando a cena da experiência de teatro de grupo. Isso não implica em dizer que o fruto desse tipo de pesquisa cênica esteve entre os mais saborosos de 2017. Para eles, o ano começou amargo com a notícia do congelamento de 43,5% do orçamento municipal para a Cultura.

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Provando o poder mobilizador e sendo espinho na carne da atual gestão, os artistas estiveram nas ruas contra a descontinuidade de editais e, na internet, com vídeos e campanhas. O resultado, não tão animador, foi acompanhado de atrasos em pagamentos de prêmios e ocasionais descongelamentos dos recursos. A onda de protestos também alcançou as cerimônias de prêmios e festivais tradicionais no primeiro semestre. Na abertura da quarta edição da Mostra Internacional de São Paulo (MIT), no Teatro Municipal, apupos foram direcionados aos políticos, que não compareceram.

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Na mesma mostra, inspirada no Festival Internacional de Teatro, criado pela atriz Ruth Escobar que morreu este ano, a peça Branco: O Cheiro do Lírio e do Formol despertou a crítica, que nunca escreveu tanto sobre um mesmo espetáculo. Ao ser acusada de racista, a montagem foi a bola da vez tal qual A Mulher do Trem, de 2015, impedida de estrear no Itaú Cultural, sob a mesma acusação. Agora, em Entrevista com Stela do Patrocinio, peça de mais de 10 anos, Georgette Fadel foi interrompida por parte da plateia que alegou que a atriz, branca, não poderia interpretar uma mulher negra.

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Manifestações individuais à parte, as artes cênicas também sofreram com proibições oficiais. A performance de Wagner Schwartz, La Bête, no MAM-SP, quase provocou sua intimação para depor em uma CPI e até fake news circularam na internet afirmando que o artista fora assassinado enquanto voltava para o hotel em que estava hospedado. Em julho, o performer Maikon Kempinski foi detido em Brasília por se apresentar nu em DNA de DAN. Como resultado, o mesmo trabalho foi encenado em um galpão fechado no Sesc Belenzinho, diferente da proposta original de ser ao ar livre. A atriz trans Renata Carvalho também esteve na mira com O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, ao ser impedida pela Justiça de ser apresentar em Jundiaí.

Em outras batalhas, de ordem histórica e quase mítica, não há final aparente para o embate entre o Teatro Oficina e o Grupo SS. O projeto de construção das torres residenciais no terreno ao lado do teatro, tombado em 1983, recebeu novos episódios como uma reunião entre o diretor Zé Celso, Silvio Santos e o prefeito João Dória, sem trégua. Mais tarde, o Condephaat, órgão estadual, votou a favor do Grupo SS autorizando a construção no terreno ao lado do teatro da arquiteta Lina Bo Bardi – considerado o melhor do mundo pelo The Guardian.

Criou-se então na internet o movimento #VetaAsTorres que ganhou coro com o anúncio da privatização do Teatro Brasileiro de Comédia, pelo MinC. No mês de dezembro, a Justiça suspendeu duas vezes a sessão no Compresp – a derradeira antes da decisão -, lançando a guerra de Zé e Silvio para 2018. Por outro lado, o Oficina também festejou a volta de O Rei da Vela, espetáculo que completou 50 anos de estreia, ocasião em que sacudiu a São Paulo lançando a Tropicália na pista do teatro. Do elenco original, Renato Borghi embarcou no Abelardo I de 1967 com Zé Celso na direção e também no palco, e a cenografia tropicana de Hélio Eichbauer.

Também houve destaques que ultrapassaram fronteiras, seja na linguagem ou na geografia. O espetáculo Adeus Palhaços Mortos, da Academia de Palhaços, e a performance Cegos, do grupo Desvio Coletivo, figuraram na programação do World Stage Design 2017, em Taiwan. Já na Europa, a encenadora carioca Christiane Jatahy tem mais que carta branca para trabalhar. Depois das bem sucedidas temporadas de E Se Elas Fossem para Moscou e Senhorita Julia, a diretora dirigiu a trupe de Molière na Comédie-Française em A Regra do Jogo, uma adaptação do filme de Jean Renoir. Em 2018, Christiane promete nova montagem na Comédie inspirada na Odisseia, de Homero, com elenco mundial.

No quesito novos espaços, o brilhante Teatro de Contêiner, projeto da Cia Mungunzá, se tornou lugar mais que bem-vindo, movimentando a cena na Luz, com mostras e shows, e sobrevivendo à ação da polícia na Cracolândia. Já o espaçoso Sesc 24 de Maio agitou o Centro – e testou a paciência de quem queria assistir Conferência sobre Nada (2012), de Bob Wilson, na pequena sala de espetáculos. Os ingressos foram distribuídos a conta-gotas, minando a esperança dos que esperavam ver o diretor de Garrincha em cena.

Além da despedida de Ruth Escobar, 2017 foi para dizer adeus ao diretor musical Paulo Herculano, à atriz Eva Todor, ao ator Nelson Xavier e à atriz e cantora Rogéria.

E, para 2018, se as denúncias de assédio no cinema norte-americano servirem para ensinar algo, que encorajem as coxias paulistanas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.