A frase é de Cacá Diegues: "Enquanto nós, com o Cinema Novo, mostrávamos o Brasil que ninguém queria ver, a bossa nova mostrava o Brasil como deveria ser." De certa forma, ela define o projeto e o espírito de Coisa mais Linda, o documentário musical de Paulo Thiago sobre a bossa nova. Tendo como mestres-de-cerimônia dois dos integrantes do "núcleo duro" da bossa, Carlinhos Lyra e Roberto Menescal, Thiago procura traçar amplo e amoroso painel daquilo que representou para a cultura brasileira esse movimento que, entre os anos 50 e 60, renovou o panorama da música popular brasileira, contribuiu para torná-la internacional e lançou no cenário nacional músicos, letristas e cantores como Tom Jobim, Vinícius de Morais, Silvinha Telles, João Gilberto, Luiz Eça, Nara Leão, Ronaldo Bôscoli, Baden Powell e tantos outros.
Há no filme a preocupação de que a homenagem seja acompanhada de certo didatismo. Afinal, o que é exatamente a bossa? Bem, Bôscoli a definiu: "Era um estado de espírito." Leveza, sofisticação, o culto à mulher, um certo ar otimista. O diálogo musical com aquilo que de ponta se fazia no mundo e, ao mesmo tempo, a preservação das raízes musicais brasileiras. Por isso, João Gilberto, sem dúvida o nome mais representativo sempre que se fala nesse movimento, se recusava a falar em bossa nova. Ele cantava samba, e ponto final.
Certo, mas era um samba harmonicamente mais sofisticado, de acordes alterados, dissonantes, com melodias que procuravam sair do previsível. O filme se propõe ser informativo, também. Não esqueçamos de que a bossa surge num momento de otimismo político (era JK) e que, com ela, acontecem os dois primeiros títulos mundiais da seleção brasileira, a fundação de Brasília, a poesia concreta, a vitória de Maria Ester Bueno em Wimbledon, os teatros de Arena e Oficina, o Cinema Novo. Tudo em conjunto, num país que realmente se renovava e apontava para o futuro. Era legal ser brasileiro naquele tempo. Pode voltar a ser, sugere o filme, delicadamente.
Mas essa é apenas uma leitura, digamos política, de um filme que se propõe, antes de tudo, a ser um simples (!) exercício de beleza. Nesse sentido, e essa não é a sua menor virtude, adota um ritmo compatível com seu tema. Calmo, leve, às vezes meditativo, dá tempo para que as músicas sejam tocadas por inteiro, como acontece com Johnny Alf interpretando o seu Rapaz de Bem, ou Alaíde Costa cantando Dindi. Essa relação com o tempo põe o filme na contramão da pressa, da brutalidade e do atropelo atuais.
No entanto – sente-se – não há nele nenhum exercício de saudosismo. Por se circunscrever no tempo, de meados dos anos 50 ao concerto do Carnegie Hall, em 1962, Coisa mais Linda se coloca no registro do efêmero. Não há volta possível por um passado pelo qual suspiram os nostálgicos, mas a bossa nova aponta para outro tipo de relação possível com o mundo, com o tempo, com os outros. Por isso é eterna. E, apesar de ter passado, podemos (aliás, devemos) revivê-la, em nós. Se a CPI cansou, vá de bossa. Faz bem.