O adeus ao compositor Guilherme de Brito

O compositor Guilherme de Brito, autor de um dos mais belos versos da música brasileira, em "A Flor e o Espinho" ("tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor"), o poeta que pediu "flores em vida", morreu no fim da tarde de quarta-feira, aos 84 anos, após 26 dias em coma no Hospital Maia, no Rio. Ele ficou conhecido como parceiro de Nelson Cavaquinho, com quem criou, além de "A Flor e o Espinho", "Folhas Secas", "Quando Eu me Chamar Saudade" e "Juízo Final". Embora as letras geralmente fossem dele, o público as atribuía ao parceiro, na maior parte das vezes, autor da melodia. Brito era também pintor naïf e chegou a fazer exposições no Brasil e no Japão.

Suas músicas foram gravadas e idolatradas por instrumentistas e cantores como Paulinho da Viola, Clara Nunes, Beth Carvalho, Zeca Pagodinho e toda a geração de sambistas que surgiu nos anos 90, mas fugia ao padrão de seus companheiros. Era casado havia 54 anos com Artemísia Brito, a quem todos chamam de dona Nena, e se orgulhava de ser o dono de uma das primeiras carteiras profissionais do Brasil. Em 1934, aos 12 anos e órfão de pai, foi trabalhar como contínuo na Casa Edson, onde se aposentou em 1968, como chefe do setor de máquinas de calcular.

"De dia eu trabalhava e, de noite, percorria rádios para mostrar as músicas", contou ele à reportagem em 2002, quando completou 80 anos. Tinha uma bela voz, mas na época o compositor não cantava. "Quase desisti, mas em 1954, Augusto Calheiros gravou duas músicas minhas, o samba Meu Dilema e a valsa Audiência Divina." Em 1955, conheceria Nelson Cavaquinho e, por causa dele, criou os versos famosos. "Eu ia sempre ao Cabaré dos Bandidos, na Praça Tiradentes, para encontrá-lo e lá havia uma mulher cujo sorriso me incomodava."

A amizade só terminou com a morte de Nelson Cavaquinho, em 1986, embora os dois fossem opostos em tudo. Brito bebia comedidamente e seu parceiro atravessava noites nos botequins. Cavaquinho teve inúmeros romances e Brito, só dona Nena, com quem viveu como namorado mesmo depois das bodas de ouro. Um foi funcionário exemplar, o outro bem que tentou, mas nunca teve outro sustento além da música. Talvez por seu temperamento, a carreira de Brito foi intermitente e ele lançou só três discos, um nos anos 70, patrocinado pela prefeitura do Rio, e outros dois nesta década, "A Flor e o Espinho" e "Samba Guardado" (com músicas inéditas), produzidos por Moacyr Luz.

Na quarta-feira, ao saber da morte, Luz ressaltou a importância e a modéstia do compositor, diante de Nelson Cavaquinho. "Guilherme era o fiel, o tímido da parceria. O retrato da aceitação, porque a genialidade indiscutível de Nelson sombreou a personalidade do Guilherme, um precursor da antítese na música", lembrou. "Se o Telê Santana (técnico de futebol morto no sábado) era o Fio de Esperança, Guilherme era o nosso Fio do Samba."

Beth Carvalho, que lançou alguns de seus clássicos, o descreveu como uma mistura de Dom Quixote e São Francisco de Assis, um homem sonhador e desapegado. "Um grande poeta, um amigo querido", disse ela, lembrando a última vez em que esteve com o compositor. "Ele saía do enfarte, estava com a língua enrolada, mas recuperou a voz. Sua última frase foi: Beth, vamos lá pra sala tomar um conhaque", contou. "Ele tinha um grande amor por dona Nena e pela família. Todo mundo gostava dele. Era o baluarte da casa."

O compositor Aldir Blanc citou um de seus sambas. "Guilherme não recebeu em vida todas as flores que merecia." Mas seus últimos shows sempre lotavam e a geração de sambistas surgida na Lapa nos anos 90 o idolatrava. Suas músicas estão no repertório de todo cantor ou instrumentista que se preze e a maior homenagem veio da cidade de Conservatória, na região serrana do Rio, que lhe dedicou um museu e que o tinha sempre como convidado de honra nas serestas de todos os sábados.

Guilherme de Brito morreu quarta-feira (26) pouco depois das 18 horas, sem recuperar a consciência e deixa um casal de filhos, cinco netos e dois bisnetos. Até o fim da vida, ele morou no quarto andar de um prédio em Bonsucesso, onde espalhou seus quadros e muitas imagens de São Francisco, seu santo de devoção. Foi de lá que saiu no dia 1º de abril para ser internado. Colaborou Rodrigo Morais

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