O início recorda (ou cita) o clássico fechamento da pirâmide de Terra de Faraós, de Howard Hawks. Com a diferença de que a computação gráfica, se faz tudo mais fácil, também torna tudo artificial. Claro, cinema é artifício. Sempre foi, ao menos desde Méliès. Mas, em boa parte das vezes, é artifício que deseja esconder sua origem. Artifício que deseja passar por verdade.
Mas a que “verdade” pode aspirar um filme de super-heróis? Ora, trabalha-se aqui no campo da fantasia. Mas nem por isso essa fantasia pode se deixar ao luxo de funcionar sem estar atada, ainda que de leve, a certos princípios humanos básicos. Assim, os superpoderes podem ser, de um lado, o que mais atrai os fãs desse gênero. Mas o que pode dar algum fundamento aos “heróis” oriundos dos gibis são suas humanas fraquezas, quando não suas contradições. Suas limitações. Estas, digamos assim, fissuras, funcionam como âncoras, a emprestar credibilidade a uma trama que, de outra forma, não teria nenhuma.
Daí o relevo que se dá a um personagem contraditório como Magneto (Michael Fassbender), que perde a família e, como consequência, oscila entre o bem e o mal. Também não é à toa que, lendo os textos positivos sobre o filme seja sobre este personagem, e sua situação ambivalente, que os críticos mais se detêm. Não é difícil explicar. É que no personagem se concentra o material possível para encarar essa história como algo mais que um divertissement visualmente impactante. É pena, porém, que essa complexidade se mostre tão restrita no projeto de Bryan Singer. De fato, bem esmiuçada, não passa de mero detalhe. A ênfase, sem dúvida, é sobre a ação. E sobre uma ação turbinada por efeitos de computação e muito trabalho de som. Basicamente, X-Men: Apocalipse é isso. Uma soma infindável de lutas e destruições no combate dos heróis a En Sabath Nur, vulgo Apocalipse (Oscar Isaacs, irreconhecível sob a maquiagem espessa).
Ele desperta da sua catalepsia ancestral para um mundo dominado por superpotências equilibradas pelo terror nuclear. Como adicional às ações dos heróis, uma agente da CIA, Moira (Rose Byrne) marca presença. É outra tentativa de diálogo, portanto, entre o mítico, o imaginário depositado de forma primeira nos gibis e depois transpostos à tela, e a realidade dos anos 1980, era à qual aporta o Apocalipse recém-desperto.
Essas fusões podem soar como “samba do crioulo doido” (ver Sérgio Porto, ou Stanislaw Ponte Preta, por favor), caso fossem para ser levadas a sério. Mas não é bem assim. Com o visual lembrando às vezes o de escolas de samba do Grupo 2, o filme parece bastante deficitário em especial num ponto: o roteiro.
Nele, não se vê qualquer traço de criatividade. Menos ainda da complexidade, ainda que hipotética, que se encontra nos melhores exemplares da ficção científica -, porque X-Men pretende, também, estabelecer conexões com este gênero. Mas o faz de maneira bastante precária, pois não consegue criar verossimilhança interna, tornar crível o que seria apenas da ordem da hipótese científica (como, por exemplo, viagens no tempo).
Desta forma, a preguiça conceitual e a vocação de rotina dos blockbusters impõem sérias limitações ao projeto. O roteiro parece servir apenas de gancho para a torrente de efeitos especiais e destruição, enquanto atores e atrizes talentosas (como a gracinha Jennifer Lawrence) cumprem tabela numa produção aquém de suas possibilidades. Mas devem ter ganho um dinheirão. Para resumir: X-Men é muito barulho por nada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.