Está previsto para sair amanhã no "Diário Oficial da União" o texto reformado da Lei Rouanet (8 313/91). O ministro Gilberto Gil fala quinta-feira em coletiva em Brasília sobre as modificações no texto, para explicar à imprensa, artistas e produtores sobre os novos mecanismos.
As principais mudanças anunciadas – fim da remuneração ao captador de recursos, que era de 10% do total do projeto; exigência de um ?plano de acessibilidade? dos produtores, garantindo maior acesso público dos projetos incentivados; e fim do custeio de fundações e institutos – repercutem intensamente desde o início da semana.
O produtor e editor Ronaldo Graça Couto, da Metalivros, trabalha com projetos especiais (como livros de arte) há 20 anos Ele avaliou as mudanças como maléficas para o "pequeno empresário cultural", como definiu. Sua maior restrição é quanto ao corte dos 10% para o agente captador de recursos.
"Ora o proponente cria, inscreve o projeto, procura captar – e apenas 10% dos projetos encontram patrocinadores -, produz, administra os recursos, presta contas minuciosamente numa verdadeira auditoria generalizada de todos os recursos, e ainda fica esperando cinco anos pela análise da prestação de contas. E, agora, tem sua remuneração mais uma vez cortada. Vão matar a lei, pois os proponentes são a alma do negócio."
Os pequenos produtores culturais, por sua vez, esperam que as mudanças permitam um maior acesso aos recursos da lei. "Nunca usei a lei. Eu tentei, mas é tão burocrático o processo que, para uma editora pequena, fica muito difícil", diz Sérgio Pinto de Almeida, da editora Papagaio, que editou livros de José Agrippino de Paula e Wander Piroli.
Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do Itaú Cultural, considerou que a chegada de novas regras mais "precisas e claras" só tende a melhorar a situação na cultura. Os institutos, como o Itaú Cultural, serão proibidos de utilizar recursos da lei para manutenção e funcionamento das suas estruturas, mas Saron disse que isso não preocupa a instituição que dirige.
"Dos R$ 26 milhões que investimos no ano passado, R$ 12 milhões foi dinheiro sem incentivo da lei. A questão da acessibilidade do produto cultural já está no nosso DNA. O fundamental é mesmo clarear as regras, esse é um dos pontos positivos da reforma. Se conseguirem criar espaços de diálogos e convergência entre as propostas apresentadas ao Ministério e as regras, será uma bola dentro", avaliou Saron.
"Ruim é a incerteza, o meio caminho. O decreto abre as regras do jogo, e o decreto antigo já estava criando confusão, porque embora dissesse uma coisa, tinha as avaliações dos projetos no mecenato já permeadas pelas discussões que estavam acontecendo em todo o País. Agora, acaba o campo nebuloso."
Já Yacoff Sarkovas, consultor de patrocínios, considerou a mudança "cosmética". Ele enxerga inclusive um potencial perigo Para Sarkovas, que é contrário à existência da legislação, dependendo da percepção que o mercado tenha em relação às modificações, se as empresas entenderem que são mudanças ?complicadoras?, pode-se gerar um novo desequilíbrio em relação à Lei do Audiovisual – também mantida com base em renúncia fiscal.
Na Lei do Audiovisual, o investidor tem 100% de abatimento no Imposto de Renda e ainda lucra com o filme – entre 24% e 32% da renda. Além disso, pode divulgar sua logomarca na produção cinematográfica. "Caso as empresas considerem que a lei tenha se tornado ?menos atraente?, a Lei do Audiovisual tende a se tornar ainda mais competitiva face à Rouanet."
Paralelamente a essa reforma da Lei Rouanet, está na pauta do Congresso projeto do senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), que prevê a extensão do incentivo da Lei do Audiovisual até 2016 Uma lei poderia canibalizar a outra se o governo não tratar os dois problemas conjuntamente, prevê o consultor.
"E o dinheiro é do Estado", afirma Sarkovas. "Não pode ser usado por empresas privadas para projetos escolhidos por critérios políticos ou de relacionamento."
O Ministério da Cultura informou que a reforma da Lei Federal de Incentivo à Cultura é apenas um dos seus focos de atuação. "A gente não trabalha a lei de incentivo isoladamente. Ela tem de ser incluída no contexto das políticas", disse à reportagem, na semana passada, Juca Ferreira, Secretário Executivo do Ministério. Ferreira falou sobre os mecanismos de mercado criados, como sistemas de financiamento e subsídios junto a bancos estatais (como linhas de financiamento no BNDES para utilização na construção e reforma de salas de cinema e também para edição de livros).
"Precisamos trabalhar a cultura em três dimensões: como fato simbólico, direito de cidadania e como economia", ele disse "Para afirmação de uma economia, exige-se muitas vezes regulação daquele setor, muitas vezes linhas de fomento e estímulo. Estamos trabalhando em mecanismos de financiamento acessíveis para os produtores culturais, para aquele que quer montar sua banda, todo tipo de produtor. E acionando mecanismos, como o Funcine e o Ficart, que foram reativados e já estão funcionando."
Yakoff Sarkovas, no entanto, argumenta que havia uma conjuntura favorável a que o Ministério da Cultura quebrasse definitivamente com a dependência do Estado brasileiro das leis de incentivo. "É um sistema perdulário, porque cria dispêndios que são incompatíveis com o processo de financiamento público. E é socialmente injusto, porque os processos de escolha do dinheiro público são definidos dentro de premissas privadas e individualizadas", ele afirmou.