Costuma-se dizer que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Mas essa não é a filosofia seguida pela Globo em mais uma tentativa de ressuscitar a audiência perdida das 18 horas, que não tem ultrapassado os 20 pontos. Tanto que, pela segunda vez, a emissora usa a singela história de uma menina de interior vista como santa que se apaixona por um peão taxado de “filho do Diabo” pela população.
A primeira versão de Paraíso, exibida em 1982, conseguiu recuperar os pontos perdidos para a então recém-inaugurada SBT. E, para Benedito Ruy Barbosa, autor do folhetim, a pureza e a ingenuidade de sua história são as maiores garantias de sucesso ainda nos dias atuais. Aliadas, é claro, ao cenário rural típico de seus textos. “Ousadia hoje em dia é não deixar que valores antigos se percam e apostar no romance em sua forma mais inocente”, opina.
As mudanças nas sinopses das duas versões são quase imperceptíveis. Exceto pouquíssimos personagens novos, nenhum deles na trama central. Maria Rita, conhecida como Santinha e interpretada por Nathalia Dill, vive pressionada pela mãe beata Mariana, de Cássia Kiss, que só pensa em entregar a filha para “servir a Deus”.
Mas, logo depois de desistir da ordenação, a menina conhece Zeca, vivido por Eriberto Leão. Ele é um peão formado em Direito e Agronomia que atende pela alcunha de “filho do Diabo” na cidade e passa o tempo montando touros bravos e domando burros chucros.
E uma dessas aventuras deixa o rapaz entrevado em uma cama, sem conseguir andar, à espera de um milagre que possa curá-lo. Que, como em qualquer folhetim que se preze, acontece rapidamente, depois de muita reza da mocinha. O problema é que a graça vai custar caro ao casal, já que Santinha oferece em troca do pedido seus votos para se tornar freira. “O grande dilema da história é se ela deve seguir a religião ou experimentar o amor e ter uma família”, resume Nathalia.
Diferente da primeira versão, gravada no interior do Rio, as cenas das andanças da comitiva de peões do Paraíso atual foram gravadas em Cuiabá, na Chapada dos Guimarães, em Nobres e em Poconé, porta de entrada do Pantanal, no Mato Grosso.
“É um lugar que eu apresentei ao País na tevê com Pantanal e que tem vida própria. Faz toda a diferença”, elogia Benedito. E se na primeira versão eram comuns os discursos pela preservação da Mata Atlântica, agora entra em discussão, em várias cenas, a preservação da Floresta Amazônica. Até no núcleo religioso.
“Meu personagem tem uma visão crítica aguçada e vive sinalizando que a Amazônia vai estar destruída em pouco tempo se nada for feito para preservá-la”, adianta Carlos Vereza, intérprete do padre “fanfarrão” Bento, que divide seu tempo entre a paróquia da cidade e as mesas de sinuca, onde ganha dinheiro para suas obras sociais.
Com a dificuldade de manter gravações frequentes no pantanal mato-grossense, uma cidade cenográfica com aproximadamente 2.000 m² foi criada no Projac. Todas as construções da fictícia Paraíso estão lá, exceto as fazendas de Eleutério e Antero, cujas locações ficam em Miguel Pereira e em Conservatória, ambas no Rio de Janeiro.
“Imaginamos uma cidade monocromática, sepiada, com variados tons de terra, como se fosse uma cidade bem do interior, com 150 ou 200 anos”, explica o cenógrafo Alexandre Esteves.
Edmara Barbosa, filha de Benedito e responsável pela adaptação, não pretende mexer desnecessariamente no texto do pai. E reconhece que vários temas abordados originalmente, como os problemas sociais e políticos brasileiros da época da primeira versão, ainda são constantemente discutidos atualmente.
São exemplos a falta de emprego para os grad,uados, a educação precária, o caos na saúde, entre outros. O que facilita, e muito, seu trabalho. “Tenho de atualizar só alguns termos e nomes como o do presidente da República, essas figuras ilustres”, entrega.
Para o diretor-geral, Rogério Gomes, o que vai marcar a diferença entre as duas épocas de exibição da novela são os recursos tecnológicos. “Podemos gravar mais externas e, assim, contarmos com belos lugares e fotografias mais bonitas, trabalhando planos abertos e planos-sequência”, analisa.