Nosce te ipsum

Bom, dizem que a frase do título é de autoria de Sócrates e quer dizer “conhece-te a ti mesmo”. O que não explicam é como um filósofo grego falou isso em latim, falou porque Sócrates não deixou nada escrito, como Jesus Cristo, que bobos não eram. Escrever compromete, que o digam os políticos cujos baús de ossos são revirados em campanhas.

Consta que a terra de Sócrates, chamada Grécia, é o berço da Democracia (demo, povo) que é um sistema de governo deste para estes. Governo da Liberdade e Direitos cidadãos. Então, como se explica que tenham condenado Sócrates a beber cicuta e criado o “ostracismo”, onde se votava em casca de ostras para banir cidadãos? Que pipóca de democracia é essa?

Demóstenes era um grego gago que sonhava ser um grande orador e daí ficava na praia, com a boca cheia de pedrinhas, fazendo discurso para as ondas, a mesma coisa que políticos fazem hoje para plenários vazios. A História conta que ele se transformou num tribuno, orador de alto nível e se mudou para a Bahia onde conquistou prosélitos discurseiros que estão durando até hoje. Diógenes era outro filósofo que andava pelas ruas de Atenas de dia com uma lanterna acesa.

Quando lhe perguntavam a razão do inusitado gesto, respondia: Estou procurando um homem honesto! Decidiu vir para o Brasil procurar um desses tipos raros e lhe roubaram a lanterna no aeroporto.

Feidípedes, o soldado grego que levou a notícia da vitória contra os persas correndo os 42.195 metros entre Maratona e Atenas é lembrado até hoje na Grécia. Nós, aqui no Brasil, comemoramos vibrantemente um terceiro lugar por causa de um safanão que nosso atleta levou. Aliás, brasileiro adora comemorar coisas esdrúxulas. Os gaúchos, por exemplo, são o nosso único povo que comemora uma derrota, a Revolução Farroupilha. E o fazem com sobranceira altaneria guasca.

Os gregos celebravam seus heróis pondo sobre suas cabeças corôas de louro (e não de oliveira, nessa Olimpíada). Aqui na pátria amada, brasileiro põe louro no feijão.

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A questão retro do nosce te ipsum está ancorada num raciocínio elementar: quem você pensa que é?

Você não é nada do que pensa que é e sim é o que os outros pensam de você.

Você pode começar testando o pormenor de auto-ajuda manifestado nesta matéria de várias maneiras e ir se conhecendo.

1. Você telefona para um cara e fica esperando retorno. Não vem. O cara recebeu o recado e analisou: esse é um chato, vai me encher o pacová e recomenda à secretária para bicicletar o suplicante, que é você. Aliás, as secretárias tem códigos especialmente criados para isso. O patrão não chegou ainda, está em reunião, acabou de sair, quer deixar recado?

2. Você está a frente com o cara e ele interrompe o diálogo a todo momento para atender o telefone, dizendo “um minutinho só”. Isso dá a medida da importância que você e seu assunto tem para ele;

3. Na mesma situação, o cara está escrevendo alguma coisa num papel ou usando a calculadora eletrônica e diz para você continuar falando que ele está lhe ouvindo. Tá nada. Ele desligou seu áudio e está só com seu vídeo, ali na frente;

4. Você precisa falar com o cara e o encontra, ocasionalmente, na rua. Como vai? Tudo bem? Há quanto tempo! Apareça pra gente conversar! Não acredite. Os lances amistosos e, aparentemente fraternais, são pequenas mentiras sociais aplicadas no ambiente descontraído do local. Se for procurá-lo, vai cair no item 1, acima;

5. Observe os olhos de seu interlocutor. Se ele estiver interessado no seu assunto o olhar é fixo nos olhos. Ele pode simular atenção sem mover o rosto, mas o olhar dele divaga, passeia e mostra que ele não está dando a mínima para o que você está falando. É chamado olhar hipermétrope, o que não enxerga perto, como as águias;

6. O cara pode ser um “amigo de olá”. É aquele que lhe diz “olá”, vai passando ligeiro e seguindo o rumo como essas formiguinhas que se encontram na correição; quer fugir de você;

7. Você recebe um telefonema da secretária do cara avisando que aquela reunião agendada uma semana antes foi adiada. Isso dá a medida da consideração que o cara tem por você e pelo assunto que ia ser tratado, não valendo, no caso, outra desculpa que não fosse morte de mãe, se houver desculpa;

8. Ao acaso, você entra num restaurante, escolhe uma mesinha individual num canto e senta. Instantaneamente você fica invisível. Nenhum garçom o vê mais. Eles passam, olham, quando muito põem cardápio sobre a mesa. Revoluteiam, sobrevoam, tiram razantes por perto e só. O restaurante é uma máquina invisibilizadora. Isso se você está só. Se está com uma bela mulher a esquadrilha de garçons, liderada pelo maitre, vem pousar em volta da mesa. Gorjeta garantida;

9. Você precisa fazer um espermograma e pensa que a loira escultural da recepção vai lhe dar um mãozinha para recolher o material. Vai nada. Ela lhe dá uma canequinha, uma revista velha Playboy e fecha a porta. Você que se vire;

10. Você entra num banco e vai até a mesa do gerente. Ele lhe dá aquele clássico “sorriso de gesso” de longe e começa a fingir que está ocupado, o telefone não toca mas ele atende, anota alguma coisa num papel, faz um gesto para você esperar e se vira para o computador sobre a mesa. Ele está se lixando para você, sabe que é aposentado, saca tudo no dia 1.º, vai lhe torrar os bagos agora?

Essas são as reações típicas das pessoas que consideram você um vidrinho de tintura de merda e que lhe dão uma idéia exata e precisa do que você realmente é, no contexto geral das coisas. Você vai acabar se convencendo de que é, de fato, um bosta social. Ser uma criatura, um cidadão, um chefe de família, pai e avô, pagante de impostos, trabalhador, criativo e inteligente nada significa. Você é uma titica social, meu chapa. Não é nada do que você pensa de você, não é o que imagina que é. Os outros é que sabem quem você é, realmente. Um cocô.

Wilson Silva

é Jornalista e Escritor (do livro “Manual do Conhecimento Inútil”)

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