Começo por esclarecer que o “nós” que vai no frontispício da presente crônica refere-se aos integrantes do condomínio lingüístico luso-brasileiro. Aos que, em Portugal, no Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, com sotaques diferentes, com inflexões várias, rezam o Pai-Nosso com as mesmíssimas palavras com que o rezaram, no século XVI, Camões e Anchieta.
Referi-me há alguns meses à injustiça flagrante que “roubou” o Prêmio Nobel da Literatura de Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade. Pretendo focalizar hoje algo que raros conhecem – e muitos ignoram: a nominata dos escritores da área lusófona que, desde o advento da famosa láurea da Academia Sueca, em 1901, foram lembrados, citados ou mesmo formalmente indicados como candidatos ao galardão literário mais importante do Ocidente. Lembrados, citados e indicados, não apenas por instituições e personalidades luso-afro-brasileiras, compreensivelmente empenhadas em “puxar a brasa para a nossa sardinha”, mas também – e sobretudo – por entidades e literatos de outros países e de outras línguas – franceses, alemães, ingleses, espanhóis, italianos, etc.
Entre os brasileiros que mereceram a honra, o privilégio ou a justiça da indicação contam-se, além dos dois nomes retromencionados, Coelho Netto (indicado em 1932, por aclamação, pela Academia Brasileira de Letras, com o imediato apoio da Academia de Ciências de Lisboa), Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo e João Cabral de Melo Neto.
Aliás, o próprio Machado de Assis, morto em 1908, poderia muito bem ter sido um dos laureados. Basta olhar o rol dos autores que, de 1901 a 1907 conquistaram o Nobel: Sully Prudhomme (1901), Theodor Monmsen (1902), B. Bjornson (1903), Echegaray y Eizaguirre e Fréderic Mistral (1904), Henryk Sienkiewicz (1905), Giusé Carducci (1906) e Rudyard Kipling (1907).
Quem ousará negar que o bruxo de Cosme Velho, o mestro do morro do Livramento, o autor dessa “opera omnia” que tem por himalaia esse quarteto admirável integrado por Memórias póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba e Memorial de Aires, quem ousará negar, repito, que a obra do carioca é mais importante do que a de qualquer um dos oito premiados?
Continuando. Entre os portugueses, estavam Correia de Oliveira, Aquilino Ribeiro, Ferreira de Castro, Jorge de Sena, Miguel Torga, Vergílio Ferreira e José Cardoso Pires.
No caso de Antônio Correia de Oliveira, que o nosso grande Tasso da Silveira chegou a considerar, na década de quarenta, num ensaio alentado “o maior poeta do mundo, vivo” (um tremendo equívoco, em termos de visão axiológica), a Academia Sueca chegou a encomendar a tradução, em francês, de uma antologia do poeta (menor) de A minha terra e outros livros. Isso é irrelevante. A verdade é que, como diria um Agripino Grieco, a ausência do Antônio na galeria dos Nobel, preenche uma grande, uma enorme lacuna…
Quanto a Miguel Torga, nome literário do médico coimbrão Adolfo Correia da Rocha, sobretudo poeta, contista, memorialista e romancista, com uma obra vastíssima, ou a Vergílio Ferreira, espécie de Malraux que escrevia em português seus romances e ensaios admiráveis, ambos tiveram o azar de morrer dois ou três anos antes da atribuição do Prêmio Nobel a José (de Souza) Saramago. E não há dúvida que ambos tinham condições estéticas para disputar, com chances idênticas, a láurea que acabou por ser atribuída ao mestre do Memorial do convento e O ano da morte de Ricardo Reis. Coisas da sorte. Ou melhor, do fado – tipicamente lusíada. Sobretudo se cantado pela voz de Amália Rodrigues.
Concluindo, lembro que há hoje três autores lusos que estão sendo lembrados para o Nobel, e não apenas por círculos portugueses. São eles os poetas Herberto Helder e Eugênio de Andrade, e o romancista Antônio Lobo Antunes.
E por que não considerar também candidatos naturais, poetas como Ferreira Gullar ou Afono Romano Sant’Ana, um romancista como Autran Dourado ou mesmo – por que não? – aquele que é hoje o escritor brasileiro mais traduzido (47 línguas) e naturalmente mais lido do mundo, o discutido e discutível Paulo Coelho?
João Manuel Simões
é prosador e poeta. Da APL, do CLP e do IHGP. Autor de livros de poesia, crítico, ensaio, contos, crônicas e pensamentos.