No país de Rogéria Holtz

Por acreditar que a persistência é uma das virtudes capazes de tornar sonho realidade, a cantora Rogéria Holtz cita a frase da poetisa Alice Ruiz: “Quando está difícil de conseguir alguma coisa é sinal que você tem que desistir ou insistir ainda mais”. O pensamento exemplifica o seu posicionamento diante da vida.

Rogéria toma partido do conceito para levar encanto (e canto) a tudo o que faz. As canções que saem da garganta são de músicos e poetas como Alice Ruiz, Itamar Assumpção, Waltel Branco e Alzira Espíndola entre tantos outros. A voz entoa canções gravadas nos discos Acorda e No país de Alice, uma homenagem à poetisa curitibana.

Quem ouve essa voz talvez possa pensar que a música tenha sido sempre uma certeza na vida de Rogéria. De certa maneira sim, já que ela esteve ligada aos instrumentos desde pequena, influenciada pelos pais e irmãos, mas as curvas do caminho quase a desviaram do trajeto.

Rogéria trabalhou como comunicadora visual na extinta loja HM depois de cursar a faculdade de desenho industrial. Mas ela sentia que faltava alguma coisa. Esse sentimento se revelou simbolicamente em cima de um palco: a ligação com a música apareceu repentinamente e causou um reflexo súbito e incontrolável. “Eu comecei a chorar, me senti mal não fazendo aquilo”.

Ela percebeu que estava fora do lugar e foi retomar o que era seu. Depois de trabalhar em rádios e na televisão, cantou no Vocal Brasileirão, lugar que considera um divisor de mares. Foi de lá que apareceu a primeira oportunidade de fazer um show solo, no projeto Terça Brasileira do Teatro Paiol.

O conceito, que já vinha sendo apurando há tempos, foi empregado no show. A ideia era unir instrumentos de cordas com um repertório que incluía Egberto Gismonti, Beto Guedes e Rita Lee, além de paranaenses como Alice Ruiz, sua principal parceira. O trabalho foi bem recebido e rendeu-lhe elogios de figurões da MPB como Roberto Menescau, que cada vez que conhecia alguém “do sul”, perguntava: “Você conhece a Rogéria Holtz?”.

Buscando sempre a qualidade do que é novo, a cantora está envolvida na elaboração do terceiro disco. O nome ainda é segredo, mas a ideia é encontrar uma sonoridade “mais brasileira”, valorizando ao mesmo tempo o canto e o instrumental, a exemplo de Cássia Eller e João Bosco. “Adoro criar maneiras de gravar, adoro criar arranjos para as minhas músicas”.

Na conversa realizada na casa da cantora, foi recorrente o papo a respeito dos vínculos com o público e de como o seu trabalho é recebido. E como ela sabe que faz bem o que se propõe? “Eu acho que é o retorno do público, da aceitação”.

O Estado: Como você vê o atual cenário da música em Curitiba?

Estão surgindo muitos artistas bons, bandas com um estilo próprio. Isso é ótimo, adoro e torço pra que surjam muito mais. Mas Curitiba está engatinhando quando se trata de aceitar nossos trabalhos. Não somente o público mas os dirigentes e programadores de rádio não se tocaram ainda que podemos fazer milagres. A grande ligação do artista com o público são as rádios. Pra continuar a arte é preciso ter um retorno e pra isso precisamos ser ouvidos. Às vezes me sinto como se estivesse numa esteira: sempre em frente e em forma mas não sei pra onde e nem pra quê. Já escutei algumas faixas do meu CD em rádio de Curitiba que tem a programação de São Paulo.

O Estado: Onde você localiza o seu trabalho no panorama contemporâneo da música brasileira?

Acredito que meus CDs carregam uma intenção singela que é fazer o que é verdadeiro pra mim. Eu o localizaria como atemporal. Claro que me preocupo com a modernidade musical, mas confesso que em alguns casos tento é fugir de estereótipos.

O Estado: Você tem uma parceria com Alice Ruiz há algum tempo. Como aconteceu esse encontro?

Aconteceu quase que por acaso. Fizemos uma oficina de música juntas e foi admiração a primeira vista. Não nos desgrudamos mais. Ora faço show com ela ora ela me empresta suas canções. Agora temos até parceria de letra e música. Essa intenção de gravar as parcerias de Alice foi uma idéia que ela teve há muitos anos atrás e que eu me apressei em viabilizar.

O Estado: Como é o seu processo de elaboração de um disco?

O Acorda veio de um show que apresentei em 1998 no Paiol, Com a corda, todas, e que reuni algumas canções que “guardei” por muito tempo como Cartão postal, de Rita Lee e Nada mais que a paixão, de Egberto Gismonti. Juntei isso com a pesquisa de repertório dos amigos daqui de Curitiba. Claro que o Acorda teve uma intenção sonora muito bem pensada pois foi todo gravado por instrumentos de cordas. Baseei esse show de 1998 na sonoridade do grupo D’Alma, dos anos 80. Já No país de Alice deixei o meu produtor musical Celso Fonseca direcionar o trabalho. Escolhi as musicas e os músicos e fui orientando como gostaria de cantá-las. Foi um CD feito pra cantora, digamos assim. É muito bem executado e muitos músicos podem se adaptar. Ao contrário do primeiro que era difícil substituir quem gravou o disco.

O Estado: Como encara o seu lado compositora?

Ainda não me sinto compositora. Já fiz algumas músicas mas é como se eu fosse uma publicitária dentro do meio musical. Não passo o dia criando musicas, quando tenho uma letra eu faço. E me empenho muito, muito mesmo. Tanto que demoro pra me convencer de que está pronta. Mas eu precisava disso pois gosto muito de criar. Agora virou necessidade.

O Estado: Que tipo de preparo você faz antes de um show?

O preparo começa muito antes do show, digo, alguns meses. A saúde é fundamental. Gripe, nem pensar! Durante os ensaios preparo minha intenção vocal e corporal pra cada canção. Procuro manter uma série de vocalizes durante os dias que antecedem e procuro dormir bem. A ansiedade atrapalha bastante. Horas antes do show tento deixar tudo em ordem no palco e fico bastante tempo pra me acostumar com o “ambiente”. Faço vocalizes pra aquecer, faço piadas e dou muita risada pra espairecer e sentir que estou em casa.

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