No cinema, cópia de ‘Alice No País das Maravilhas’ não é tão fiel

Existem ecos da Alice de Lewis Carroll em várias outras Alices que têm povoado a tela desde que o cinema existe. As versões que mais se ligam ao livro cultuado – “In the Wonderland/No País das Maravilhas” -, e se propõem como adaptações, não são as melhores, exceto a animação da Disney de 1951, com direção de Clyde Geronimi. Puristas vão dizer que o Disney touch de alguma forma dilui as possibilidades de leitura da obra original, propondo simplificações da trama e dos seus múltiplos significados ocultos. Mas Geronimi conta com boas vozes (Kathryn Beaumont, Ed Wynn, Stanley Holloway) e logra dar vivacidade e colorido aos personagens míticos – o Gato Que Ri, a Rainha de Copas, o Chapeleiro Maluco. É mais do que se pode dizer da versão de Tim Burton, de 2010, embora ela se beneficie das participações de Mia Wasikowska, como Alice, e de Helena Bonham Carter, mulher do diretor, como a Rainha de Copas.

Nos últimos anos, Burton tem feito a releitura de clássicos, embora pareça descabido comparar a Alice de Carroll ao Charlie da fábrica de chocolate de Roald Dahl, que ele havia realizado antes (em 2005). Na verdade, ambos representam basicamente o mesmo personagem, que precisa reunir forças internas e externas para fazer frente à desordem do mundo (e, no caso de Alice, salvar o reino). O problema de Burton, que alguns críticos tomam por qualidade, é que já há algum tempo ele substituiu o encanto e a densidade de seus melhores filmes (Edward Mãos de Tesoura e Ed Wood) por uma extravagância visual que mal esconde a superficialidade de seus propósitos. O roteiro do filme é de Linda Woolwerton, que escreveu A Bela e a Fera na Disney. E surgiu essa Alice de 19 anos, angustiada pela perspectiva de um casamento sem amor e que cai na toca do coelho, esquecendo-se de que já esteve ali. Feérico, mas inconsistente, o filme carrega na psicologia (na psicanálise?), contentando-se com soluções fáceis em que o visual se superpõe a qualquer outra coisa.

Em nome do bom gosto – nem o visual é bom -, é melhor passar ao largo da Alice inglesa de William Sterling, de 1979, de uma cantoria tediosa que desperdiça o ótimo elenco integrado por Ralph Richardson, Peter Sellers, Dudley Moore, Flora Robson e Michael Crawford. E vamos então em busca das outras Alices. A que não mora mais aqui, de Martin Scorsese, de 1974, não deixa de metaforizar a trajetória da de Carroll por meio da mulher cuja vida vai para o buraco após a morte do marido. Ellen Burstyn, em interpretação vencedora do Oscar, faz uma passagem curiosa, porque o filme começa com ela ainda criança, num visual meio Mágico de Oz e depois vive aventuras em busca da felicidade, ou da afirmação da identidade, que a confrontam com inesperadas releituras das personagens e situações de Carroll.

Houve também a Alice de Brooke Shields numa fantasia de terror em que ela, garota, é atacada por uma figura mascarada que tenta impedi-la de fazer sua primeira comunhão. O filme é mais o País dos Horrores, com uma humanidade pecadora que transforma a igreja numa sucursal do inferno. A de Woody Allen, com Mia Farrow – Simplesmente Alice -, volta ao maravilhoso por meio do mágico que descortina um universo de sonho para dona de casa insatisfeita. E, claro, não se pode esquecer a de Claude Chabrol, com ninguém menos que Sylvia Kristel, a Emmanuelle. Em Alice, ou A Última Fuga, de 1976, Sylvia foge do marido que a repugna, mas seu carro quebra e ela é acolhida num castelo. Na manhã seguinte, não encontra ninguém, mas o carro parece OK. Só que Alice/Sylvia não encontra a saída e, ao abandonar o carro, perde-se no jardim misterioso. Ninguém vai dizer que se trata de um grande Chabrol, mas a fotografia de Jean Rabier cria uma delicada e sensual paleta de cores. No centro de tudo, a Alice mais sexy do cinema, Sylvia Kristel desliza na tela. Não dá para desgrudar o olho dela.

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