Colocar uma novela no ar não é mesmo tarefa fácil. São 30, às vezes 40 cenas gravadas por dia. Algumas bem complexas e repetidas à exaustão. Para o elenco, porém, ouvir o famoso “gravando” pode significar o fim de uma longa espera. Afinal, não é raro um ator – principalmente se for do “segundo escalão” – aguardar o dia inteiro para fazer uma ou duas míseras cenas. Isso quando não tem a sua cena – aquela que era para ser às 11 h e ficou para às 22 h – cancelada por conta de algum imprevisto.

“Vida de ator é sempre uma interminável espera. Em televisão, mais ainda. Gravar novela é uma gestação inteira! São nove meses esperando, esperando…”, compara Nívea Stelmann, intérprete da vilãzinha Graça, de Chocolate com Pimenta – que está grávida de quatro meses.

Alguns passam as longas horas de “concentração” decorando texto, bebendo café compulsivamente ou botando a leitura em dia. Outros preferem o bate-papo animado na chamada sala dos atores – onde o elenco de cada produção fica reunido. Mas também existem aqueles que simplesmente não suportam esquentar a poltrona e, sempre que podem, dão suas “fugidinhas”. “Sou muito agitado. Vou ao banheiro, à lanchonete, me perco nos corredores… Saio fuçando pela área feito um cachorro vira-latas”, diverte-se o veterano Benvindo Sequeira. Outro irrequieto é Eri Johnson.

O ator até comprou uma bicicleta para circular pelo Projac – centro de produções da Globo, no Rio de Janeiro – durante os intervalos de gravação de O Clone. “Eu pegava um rádio emprestado na produção e eles me avisavam a hora de voltar”, conta Eri – que também se distrai imitando os colegas de elenco.

Mas há quem desfrute de regalia maior. Quando fazem novela, atores do quilate de Tarcísio Meira, Raul Cortez, Fernanda Montenegro, Antônio Fagundes e Marília Pêra têm prioridade. Costumam gravar mais cedo e geralmente são liberados de quinta a domingo para espetáculos de teatro e outros compromissos paralelos. Se o privilégio não for naturalmente respeitado, os mais exaltados o garantem no grito.

Reginaldo Faria, por exemplo, não tem dificuldades em “furar a fila” e alterar a ordem das cenas em benefício próprio. Já Lima Duarte considera um desperdício se deslocar do sítio onde mora, no interior de São Paulo, para gravar apenas duas ou três cenas. “Se houvesse uma boa logística de produção, os atores seriam melhor aproveitados e até os custos seriam reduzidos. Todo mundo ficaria feliz”, teoriza o intérprete do magnata Afonso Lambertini, de Da Cor do Pecado.

Quase numa boa

Betty Lago, por sua vez, acredita que, se o ator está feliz com o personagem que interpreta, não tem razão de reclamar. Por isso, sempre que aceita um papel em novela, ela respira fundo e, como diz, se prepara psicologicamente para “tomar muito chá de cadeira”. “Eu espero numa boa. Só não me conformo com falta de conforto, camarim abafado, gente se apertando… Mas até que eu não reclamo!”, diz. Maurício Mattar também não reclama. Quer dizer, não mais… O ator conta que já se estressou muito por conta da desagradável sensação de tempo perdido.

Por essas e outras, chegou a abandonar a carreira de ator, há alguns anos, para se dedicar exclusivamente à música. “Agora, ando bem mais tranqüilo. Se vou gravar uma externa de festa junina até as 3 h, maravilha!”, garante o ator, que leva sempre um livro a tiracolo para passar o tempo.

Solução mais criativa é a do veterano Ney Latorraca, atualmente no ar como o trambiqueiro Eduardo, de Da Cor do Pecado. Ansioso por natureza, o ator costuma chegar meia hora antes do previsto e não se diz afeito à sala dos atores. “É muito barulhenta! Prefiro ficar quieto num cantinho”, justifica.

Mas, quando tem poucas cenas e muitas horas de espera, troca a concentração habitual pelas brincadeiras com o elenco. “Às vezes, chamo o pessoal para brincar de mímica com nomes de filme. Se tem criança no estúdio, então, boto todas para brincar de estátua. Eu digo: ‘Estátua!’ e elas ficam paradinhas, felizes da vida, e me deixam em paz”, diz, com inabalável bom humor.

Cada um com a sua mania

# O núcleo da fábrica de chocolates de Chocolate com Pimenta sofre para resistir a tantas delícias nas horas de ócio. Mas, no final das gravações, sempre dá para “filar” algum docinho.

# Bianca Castanho sente até saudades das horas de espera na Globo. Como protagonista de Canavial de Paixões, do SBT, ela chega a gravar 30 cenas por dia e, nos breves momentos de folga, decora as próximas falas.

# Dominó, porrinha, passa anel e até ioga e meditação estão entre os passatempos dos atores de “quarentena”.

# Para Edson Celulari, a explicação para as novelas tomarem cada vez mais o tempo dos atores está na própria estética e tecnologia de produção. “As gravações estão mais complexas, com efeitos especiais, movimentos de câmara, gruas, ‘tra-vellings’… Assim, tudo demora”, analisa.

# José Wilker agregou um acessório original ao seu figurino de época em O Quinto dos Infernos. A espera nas externas ficava mais fresquinha e agradável com um ventilador portátil.

# O núcleo do Andaraí tem fama de ser o mais bagunceiro de Celebridade. “Tocamos o maior rebu na sala dos atores”, entrega Adriana Alves, que encarna Palmira, amiga de Darlene, de Deborah Secco.

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