Nem bem o público e a crítica tinham engolido a sua “piada” sobre Hitler em Cannes, o diretor dinamarquês Lars von Trier anunciou: “meu próximo filme vai ser um pornô”. E ele não estava brincando. Encerrando a tríade que tem sido chamada de “trilogia da depressão”, Ninfomaníaca tem chamado a atenção simplesmente pelo título, que não é só uma metáfora, mas a descrição certeira do que é o novo longa do polêmico cineasta europeu.
Contando a história de Joe, uma mulher viciada em sexo, o filme é, na verdade, um manifesto sobre a presença da doença na sociedade e como o sexo ainda é um tabu – mesmo passadas várias décadas da revolução sexual e a exposição desenfreada nas livrarias de uma literatura (dita) erótica. A personagem, que na adolescência é encarnada pela jovem Stacy Martin e na maturidade pela atriz-fetiche de von Trier, Charlotte Gainsbourg, descobre a sua sexualidade muito cedo, aos dois anos, e passa a encará-la como algo normal.
Mesmo com as cenas do intercurso sexual sendo mostradas livremente, algo que o diretor já fez em Os Idiotas(1998) e O Anticristo (2009), Ninfomaníaca não pode ser considerado um filme pornô, em si, já que o debate sobre sexo é um pano de fundo para mostrar a crise de identidade de Joe, que na juventude chegou a apostar com uma amiga uma verdade “corrida do ouro” dentro de um trem. Nesse momento, ela percebe que o sexo nada mais é que convenção social e não é merecedor de todo o puritanismo exigido pela família, escola e igreja.
Épico
Com mais de cinco horas de duração, o filme precisou ser dividido em duas partes para ser aceito nos cinemas comerciais. Após essa ruptura, que não chega a prejudicar o andamento de Ninfomaníaca, von Trier, que é dono da produtora que banca o projeto, viu seu trabalho receber alguns cortes das cenas mais fortes de sexo – embora, seja impossível dizer que o filme ficou “aceitável” para o público médio do cinema, acostumado com produções como Até que a sorte nos separe, A Vida secreta de Walter Mity (a maior bomba do cinema, em 2013, depois de O Cavaleiro solitário).
Obviamente, toda a polêmica sobre o filme e uma campanha de marketing extremamente eficaz fizeram com que o longa fosse uma dos mais esperados de 2014 no Brasil, porém, quem debutou no cinema de von Trier com Ninfomaníaca não deve ter entendido muito do pensamento do diretor de Melancolia (2011), como a divisão do filme em capítulos, por exemplo. Com uma fotografia impecável, o filme é a prova de que o cinema de arte não está estancado em temas abstratos e pode ser um sucesso de bilheteria.