É num balanço, a três metros do palco, que Vaslav Nijinsky aparece ao público logo após o terceiro sinal. Na pele do ator João Paulo Lorenzon encoberto por um pó branco, o personagem surge declamando um texto poético, movendo-se energicamente, para frente e para trás. A primeira cena de Nijinsky – Minha Loucura É o Amor da Humanidade é o início de um delírio do bailarino, que, em 70 minutos, revela sua personalidade genial e esquizofrênica. O espetáculo estreia nesta quinta-feira, 18, no Sesc Belenzinho.

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A ideia de fazer um retrato do russo surgiu há cerca de 15 anos, quando Gabriela Mellão escreveu seu primeiro texto para teatro. Ela pesquisou sobre a vida de Nijinsky em biografias e em um diário do bailarino para compor o texto, que, naquela época, tinha caráter didático – havia uma preocupação em contar sua história. No entanto, há dois anos, Gabriela convidou Lorenzon para protagonizar e dividir com ela a direção da peça. A parceria acabou dando outra cara ao texto.

“Mais do que relembrar uma lenda, queremos falar de quem ele foi”, diz o diretor.

“A peça trata desse homem que rompe barreiras e vai em busca do próprio desejo. É algo mais próximo do que falar sobre a Rússia, sobre um tempo do passado.”

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Quando está no balanço, Nijinsky é separado de quatro figuras essenciais à sua vida, que o observam do chão, cada um com sua função. Enquanto a mãe, Eleonora (Nábia Vilela), o conforta, aparece a figura de Romola (Michelle Boesche), sua mulher, que o provoca constantemente. Há, ainda, duas relações complexas: com a irmã, Bronislava Nijinska (Janaína Afhonso), e com o empresário e amante Diaghilev (Francisco Bretas).

É por intermédio desses personagens que a peça mostra os altos e baixos da vida de Nijinsky. Em algumas cenas, o bailarino aparece dominado e cada vez mais abafado pelas demandas alheias. É o caso de Diaghilev, que se diz responsável por todo o sucesso do bailarino, cobrando para que ele cresça cada vez mais. As conversas dos dois ocorrem sempre sob um clima de tensão: seus corpos se movem em círculo, como se estivessem em um duelo. Ao mesmo tempo, os olhares se penetram e eles se aproximam, indicando uma relação doentia de paixão e poder.

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Excêntrica, Romola também clama pela atenção de Nijinsky, repetindo o aviso de que o jantar está pronto e o atraindo para uma coreografada transa.

As demandas culminam na cena da foto acima – uma das mais belas da peça -, em que o bailarino é laçado no pescoço, nos punhos e na cintura, sendo dominado, em seguida, pelo emaranhado de cordas. Apesar de toda a montagem ter um clima de delírio, é neste momento que fica mais clara a relação de Nijinsky com a esquizofrenia, distúrbio que o fez abandonar os palcos aos 29 anos.

Com a mudança na dramaturgia, excertos didáticos que apareciam no texto foram retirados. Segundo Gabriela, a primeira versão da montagem tinha alucinações de Nijinsky sobre textos de Dostoievski, para mostrar ao público a admiração do bailarino pelo escritor.

As grandes obras pelas quais o coreógrafo foi reconhecido aparecem apenas em algumas nuances. A Sagração da Primavera, coreografia que, em 1913, revolucionou os padrões da música e da dança da época, é citada quando Diaghilev menciona uma parceria com Igor Stravinski e ganha uma referência quando Nijinsky veste uma saia vermelha – cor presente no figurino da protagonista da obra.

Apresentada no ano anterior, A Tarde de Um Fauno também é lembrada. A coreografia causou furor em sua estreia em Paris, após Nijinsky simular masturbação em uma cena. Na montagem de Gabriela e Lorenzon, a irmã do bailarino o masturba – apenas de maneira sugestiva -, criando uma ligação com a obra e sugerindo a relação de dependência entre os irmãos.

Com excelente capacidade técnica, Nijinsky ficou famoso pelos saltos que executava nas apresentações. A representação desses saltos era uma preocupação latente de Gabriela. “Como retratar isso? Seria ridículo querer que alguém dançasse da maneira como ele dançava”, lembra. A solução foi colocar uma cama elástica no palco. É nela que Lorenzon pula, sugerindo os altos e baixos do russo e mostrando a energia feroz do bailarino. Os ruídos provocados pela cama foram aproveitados: são captados e distorcidos, gerando um som que, segundo Gabriela, tem um quê de apocalíptico.

Havia, ainda, a preocupação de que o espetáculo fosse genuinamente de teatro, sem mesclar técnicas de dança. Seria obrigatório, no entanto, a presença da dança nas cenas. Desta forma, surgiram cenas desenhadas, em que os atores, sem ter de obedecer a um ritmo, fazem uma coreografia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.