Raios de sol invadem o escurecido vidro do grande anexo durante o crepúsculo do entardecer no Centro Cívico de Curitiba. Para quem já presenciou tal cena, a descrição logo remete a lembrança ao majestoso “Olho do Niemeyer” do museu, que definitivamente inseriu o Paraná no roteiro das grandes exposições de arte internacional. Neste ano, o Museu Oscar Niemeyer (MON), que ora recebe a exposição Paisagem – entorno e retorno do museu mexicano Soumaya, deve registrar novo recorde de visitantes.
Para muitos, mais do que um espaço de cultura, o MON é uma edificação da arte. O modernismo da obra e as linhas curvas que dão o ar de uma atemporal vanguarda, no entanto, podem ludibriar os olhos de quem lá passa. Isto porque, o que pouca gente sabe é que o pavimento principal do MON foi projetado há mais de 40 anos pelo renomado arquiteto que leva o seu nome.
A princípio, o museu deveria abrigar o Instituto de Educação do Paraná (IEP). O projeto original do antigo Edifício Humberto de Alencar Castelo Branco, data de 1967, durante a gestão do então governador Paulo Cruz Pimentel.
Na época, Pimentel conta que o terreno onde hoje está o museu era ocupado por um barracão que abrigava uma fábrica de velas. O ex-governador relata que a intenção era ceder um espaço em melhores condições para alunos e professores, além de promover o crescimento do IEP, como ocorreu com o Colégio Estadual do Paraná (CEP). “Muita gente sempre enfatizou o Colégio Estadual, enquanto o instituto, até então, não havia sido prioridade”, conta.
Pensando em uma obra inovadora na cidade, Pimentel fez questão de requisitar o que havia de melhor em arquitetura e paisagismo na época e trouxe, além de Niemeyer, o paisagista Roberto Burle Marx para compor a disposição da obra.
Segundo Pimentel, a opção por Niemeyer previa atender a uma necessidade do pavimento. “O forte de Niemeyer era o vão livre. Nós queríamos um vão muito maior do que aquilo que se fazia na época e só ele era capaz de fazer o que eu achava que deveria ser feito”, afirma Pimentel.
As obras do que era para ser a sede do IEP estavam quase prontas quando, em 1971, Paulo Pimentel deixou o governo do Estado. O espaço foi inaugurado somente em 1978, contudo, ao invés do IEP, foram abrigadas secretarias de Estado no local. Os órgãos burocráticos permaneceram na edificação até a gestão do governador Jaime Lerner, quando Niemeyer foi novamente requisitado, desta vez para reformular o espaço e acrescentar o “olho”.
“Lerner é um cidadão avançado, um arquiteto de primeira grandeza. Era arrojado, queria transformar Curitiba e acrescentou a identidade que a cidade precisava para chamar a atenção dos turistas, agregando à imagem da cidade conceitos como a melhor capital do País para viver. O museu foi a última peça do quebra-cabeças do Lerner”, afirma Pimentel.
Arquiteto oficial
Arquivo |
---|
O arquiteto Oscar Niemeyer se diz orgulhoso de sua obra curitibana. |
Considerado por muitos como o “arquiteto oficial”, devido aos inúmero projetos realizados para atender a solicitação de órgãos públicos, Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho eleva o museu curitibano entre as obras de sua autoria que mais despertam a admiração e o reconhecimento não apenas da população como também de profissionais de arquitetura e urbanismo.
“É importante quando a obra gera surpresa. Isso é importante para a arquitetura. Que eu saiba, não existe outro museu no mundo com aquelas características”, afirmou Niemeyer, em conversa com a reportagem de O Estado por telefone, dando ao museu um status único no planeta.
Aos 102 anos de idade e ainda na ativa, o responsável pelo projeto da construção da capital federal ainda mantém claros na memória o projeto do anexo do museu. Segundo Niemeyer, as curvas que compõem o “olho” ajudaram a viabilizar os grandes vãos que constituem o espaço. “Quando você quer ter um espaço grande, geralmente a curva é a solução. Para construir um grande pavimento de vão livre, a reta fica mais cara”, diz o arquiteto centenário.
Ratificando declarações públicas por ele proferidas há décadas, Niemeyer considera a curva um dos traços mais presentes em suas obras. Entretanto, ele não exalta a curva em detrimento das linhas retas. “Não sou contra a reta. Ela é necessária. Uma coisa acentua a outra. É preciso sobrepor composições distintas para que exista um jogo de contraste. Portanto é a reta que valoriza a curva e vice-versa.”
Niemeyer ressalta que gostaria de fazer uma visita ao museu, contudo, a idade e a distância o obrigam a permanecer a maior parte do tempo na capital fluminense, onde reside.
Com uma gama de obras reconhecidas internacionalmente e que servem de referência das cidades onde estão, como o Museu de Arte Contemporânea de Niterói-RJ, o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte-MG, além da Catedral, os palácios e o prédio Congresso Nacional em Brasília, Niemeyer garante que não lhe falta trabalho. “Passo o dia na prancheta”, afirma.
Além dos projetos arquitetônicos, Niemeyer se dedica a uma revista segmentada de arquitetura. “Esta revista não é só de arquitetura. O objetivo é levar conhecimentos gerais para o jovem arquiteto.
Hoje os jovens saem das faculdades muito especialistas num assunto mas ficam alheios ao que se passa no mundo fora da arquitetura. Trata-se de levar mais cultura ao jovem arquiteto”, afirma o arquiteto, preocupado com o futuro da arquitetura brasileira.
MON
Em pouco mais de seis anos, o MON já recebeu 850 mil visitas e mais de 140 exposições de relevância internacional. Somente no ano passado, o museu recebeu uma média mensal de quase 16 mil visitantes. Para este ano, a expectativa é de que essa média seja superada.
Isto porque há previsão de exposições compostas por obras dos mais renomados artistas dos mais nobres movimentos da arte devem passar pelo museu, como a Paisagem – entorno e retorno, do Museo Soumaya, do México.
Somente nesta exposição, que fica aberta no MON até 12 de julho, o público curitibano poderá conferir 72 obras de antigos mestres europeus, como Lucas Van Gassel e Pieter Brueghel, e de ícones do impressionismo francês, como Monet, Renoir e Degas, além de Van Gogh e o célebre paisagista mexicano José Maria Velasco.