Numa tarde de verão de 1967, Nicholas Rodney Drake – ou Nick, apelido usado pelos poucos mais chegados – entendeu que, se queria ser um artista, deveria ter fotos suas de portfólio. Não gostava de olhar para a câmera, mas aceitou a presença do amigo Julian Lloyd atrás da lente, no comando dos cliques. Por um par de horas, caminharam, Drake e Lloyd, rapazotes de 19 e 20 anos, respectivamente, pelo vilarejo de Selborne, no sul da Inglaterra. Ali, deixou-se capturar em fotografias, até hoje, um dos poucos registros de Drake na vida adulta.
“A verdade é que Nick Drake era um enigma até para a sua família”, diz Lloyd, ao jornal O Estado de S. Paulo. “Enigma” talvez seja a palavra correta a acompanhar o nome do músico britânico, nascido no país hoje conhecido como Mianmar, na Ásia. São três discos lançados em vida – Five Leaves Left (1969), Bryter Layter (1971), Pink Moon (1972) -, pouquíssimos shows, raras entrevistas e uma morte precoce, aos 26 anos, em 1974, quando, já desiludido por não ter “acontecido” na música, distanciou-se dos amigos, escondido na casa dos pais, em Tanworth-in-Arden, um vilarejo a sudeste da cidade de Birmingham.
Nascido em 19 de junho de 1948 – exatos 70 anos atrás -, Nick Drake talvez não houvesse encontrado seu lugar no mundo que o recebeu durante aqueles 26 anos. Sua obra, o legado não tão vasto, sobrevive. Se os discos não venderam mais de 5 mil cópias cada um quando lançados, os serviços de música por streaming auxiliam na reverberação da sua poesia – quando ele surgiu, houve quem lhe conectasse com Bob Dylan, o bardo norte-americano que, na época do disco de estreia de Drake, já havia lançado pelo menos quatro álbuns clássicos, The Freewheelin’ Bob Dylan (1963), The Times They Are a-Changin’ (1964), Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966). Atualmente, no Spotify, Drake têm quase 1 milhão de ouvintes mensais. No Brasil, o projeto Nick Drake: Lua Rosa (uma alusão ao nome do terceiro disco dele), que inclui shows dirigidos por Regis Damasceno (Cidadão Instigado), vídeos com versões inéditas realizadas por artistas nacionais e um livro de bolso, foi idealizado pelo produtor cultural Eduardo Lemos e começa a partir do segundo semestre de 2018, com o objetivo de levar a “palavra de Drake” adiante.
“Nossa ideia é que a música de Nick Drake seja ouvida”, diz Cally Callomon, o atual responsável pelo espólio de Drake, no comando da empresa Bryter Music.
“Digo, a música fala por si. Não precisamos fazer propaganda, compilações com demos e coisas do tipo.” Foi a partir da segunda metade dos anos 1990, quando Callomon assumiu a função da irmã de Drake, Gabrielle, a única parente viva do cantor e compositor, que a obra de Drake passou a ingressar na cultura pop. Suas músicas figuram em filmes como Escrito nas Estrelas (2001), Os Excêntricos Tenenbaums (2001), Sete Vidas (2008) e na série queridinha de público e crítica, This Is Us, atualmente uma das favoritas para quem quer derramar um rio de lágrimas.
O legado de Nick Drake cresce ao longo dos tempos. Poeta, inquieto no violão arrojado, de afinações que se alternavam por vezes durante as músicas, como se a tensão das cordas fosse uma extensão dos seus sentimentos. Na lista enorme da Rolling Stone norte-americana de 2003, na qual críticos de todo os Estados Unidos votaram nos 500 melhores discos de todos os tempos, os três álbuns de Drake entraram na lista. Bryter Layter, o segundo do músico, foi colocado como o melhor álbum alternativo de todos os tempos pelo jornal The Guardian.
Ainda assim, por motivos inexplicáveis, Drake não viu sua obra ganhar a notoriedade devida. “Ele era um rapaz simpático, sorridente, mas nunca falou sobre si”, relembra Lloyd, que tirou um tempo das suas férias na Grécia e, sentado na beira do cais, lembra do amigo que conheceu pouco mais de 50 anos atrás. “Ele era tão tímido que o que se têm para saber dele está nas músicas. Amo essas fotos que fiz dele porque, nelas, ele está sorrindo. Ele estava feliz e relaxado.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.