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Nick Cave volta ao Brasil no melhor momento de sua extensa carreira

Nick Cave tem uma conexão antiga com o Brasil, especificamente com São Paulo – que os Bad Seeds tenham demorado tanto tempo para voltar é motivo para especulação. Dois shows na cidade ocorreram em 1989, ocasião em que Cave se apaixonou por uma pessoa e encontrou os motivos para realizar um desejo anterior: viver no Brasil. Agora estrela ainda mais célebre na música alternativa mundial e em meio a um novo e poderoso ciclo de sua carreira, Nick Cave faz show em São Paulo neste domingo, 14 – e a ordem é não perder, de jeito nenhum.

As últimas apresentações de Cave na cidade foram há 29 anos, mas ele passou pela cidade depois disso, em 1993. Então, foram 25 anos de espera pelo músico australiano. A ocasião, porém, não poderia ser melhor, segundo o próprio Cave apontou em coletiva de imprensa na noite de quinta, 11, num hotel de luxo nos Jardins. “Não estou apenas dizendo isso para vocês, mas vir à América do Sul tem sido extraordinário. É muito diferente das últimas vezes que viemos, quando tocamos em clubes menores para audiências ambivalentes. Foram shows difíceis. Dessa vez, não há ambivalência, as pessoas estão inseridas no show desde o início”, disse Warren Ellis, parceiro número 1 de Cave nas duas últimas décadas, que é da mesma opinião.

Um novo ciclo começou para Nick Cave e os Bad Seeds em 2013, com o sucesso crítico de Push The Sky Away, e uma espécie de continuação tortuosa com o disco seguinte, Skeleton Tree, de 2016. Segundo Cave, um novo álbum já está escrito para fechar essa trilogia (fotos nas redes sociais, antes do início da turnê latina, mostravam a banda num estúdio em Los Angeles). É com a turnê de Skeleton Tree – e com os sentimentos complexos que envolvem a tragédia pela qual Cave passou em 2015 com a morte acidental do filho adolescente – que a banda põe os pés na cidade.

“Push The Sky Away e Skeleton Tree fazem Warren aparecer mais e ser como um colaborador chefe”, diz Cave. “Meu relacionamento com ele é extremamente próximo, realmente sentamos e escrevemos músicas juntos, do zero. É um jeito particular de escrever, único, acho que não tem ninguém escrevendo desse jeito. Quase todo Skeleton Tree é completamente improvisado, quase tudo ali foi tocado pela primeira vez. Era uma peça de improvisação e depois trabalhamos nela. Por isso esses discos soam diferente.”

Uma atmosfera um tanto mais etérea e ao mesmo tempo mais emocional dá o tom dos dois discos, 15.º e 16.º da banda (dois filmes igualmente etéreos, e belos, acompanham os álbuns). Os trabalhos lhes trouxeram uma audiência mais jovem, renovada, num movimento raro para um grupo em que seus integrantes estão na faixa dos 60 – Cave tem 61, Warren, 53. Ambos mencionam um misto de espanto e entusiasmo com o fato de o público demonstrar interessante tão grande pelo novo material.

A experiência de Cave com a tragédia também não fica fora da conta. “É interessante, porque músicas existem ao longo do tempo, e elas se conectam e se desconectam de eventos que ocorrem na sua vida”, afirma. “Into My Arms tem agora um novo significado para mim porque ela se conecta ao fato de que meu filho morreu. É difícil cantar da mesma forma. A ideia antes era a negação de um deus intervencionista, havia um orgulho ali. Agora, tem um sentimento diferente. É difícil explicar. As canções são muito bonitas nesse poder de se reajustar conforme os eventos que acontecem na vida. Outras apenas morrem, perdem qualquer sentido.”

Sobre o show em São Paulo, contando toda a expectativa naturalmente construída pelas décadas de espera, Cave é taxativo: “Nós vamos f… a cabeça de todo mundo. É o nosso último show na América Latina, então vamos para a pancada”, ele diz.

“Eu me sinto conectado a esse lugar, mas não estive aqui por muito tempo”, contou sobre São Paulo – sua estada na cidade foi marcada por dificuldades profissionais, mas em um momento de recuperação na sua vida, e também de um período de casamento e paternidade recentes. “É uma torrente de memórias. É emocionante estar de volta. Algumas das noites mais memoráveis e prazerosas da minha vida foram no bar do Pedro (a Mercearia São Pedro, local que visitou na sexta, 12), era diferente, eu podia sentar num bar e apenas beber, ficar quieto.”

Cave diz estar em bons termos tanto com Viviane Carneiro quanto com Luke, seu filho paulistano. “Não vim aprender a cultura, vim porque me apaixonei. É muito difícil viver no Brasil sem sofrer influências.”

A ligação com o País faz o músico demonstrar interesse pela situação política turbulenta. Quando questionado sobre como a sua música se relaciona com o ambiente social, ele garante que esse não é o seu alvo.

“Obviamente, é uma situação desesperadora aqui no Brasil, parece haver um nível diferente de ódio. Mas não resolvemos os problemas do mundo, deixo esse trabalho para o Roger Waters”, ironizou. “Minha música não desafia a sociedade, mas as pessoas que a ouvem. Nosso show tenta ser transformador. Esperamos que as pessoas saiam dali restauradas de algum jeito.” No estado atual de todas as coisas, não é recomendável negar qualquer possibilidade de redenção.

NICK CAVE & THE BAD SEEDS

Espaço das Américas. R. Tagipuru, 795, Barra Funda. Dom. (14/10), às 20h. Portas abrem às 18h. R$ 240 a R$ 360

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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