Ney Latorraca diz que só chegou ao humor após investir no dramático. |
Ney Latorraca evita a todo custo assistir a seus trabalhos na tevê. Só muito tempo depois de irem ao ar, por exemplo, ele conferiu dois de seus grandes sucessos, as minisséries Anarquistas Graças a Deus e Rabo de Saia. E achou tudo “péssimo”. “Se ficar assistindo, desisto da carreira”, exagera, esforçando-se para manter um ar grave. Irreverente por natureza, a franqueza exacerbada do ator deixa sempre a dúvida se está falando sério ou não. Neste caso, o que ele classifica como “insegurança crônica”, contrasta com a evidente satisfação que demonstra ao falar de seus personagens. Como o impagável golpista Eduardo, de Da Cor do Pecado. “Eu e Maitê voltamos ao jardim-de-infância. Os técnicos ficam imaginando o que vamos aprontar no dia seguinte”, conta, orgulhoso da parceria com Maitê Proença, que interpreta Verinha.
O prazer, no entanto, não reduz o rigor com o resultado. Na única vez que Ney diz ter assistido à novela foi para conferir seu visual na telinha. “Parecia um pajem! Sem contar que tinha de ficar fazendo escova… As mulheres sofrem muito”, dispara o ator, que conseguiu convencer a produção a deixar seus cabelos presos para trás. “Vi também que o vermelho me cai muito bem em cena. Dá uma levantada, porque meus cabelos estão muito brancos”, completa, sem esconder a vaidade.
Às vésperas de completar 60 anos, com 40 de carreira, Ney cuida da aparência e da saúde com caminhadas diárias em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Durante o exercício, “testa” a repercussão de seu trabalho. Eduardo, por exemplo, tem se saído bem. “Uma vez, interpretava um protagonista e as pessoas vinham dizer que estavam com saudades de mim”, compara o ator, sem revelar o nome da trama. Mas ele se diverte mesmo é com as abordagens mais “excêntricas”. “Outro dia, passou uma garota e falou: ?Você está com tudo!?. Agradeci todo sério, mas acabei tropeçando e quase caí no chão. Sem contar aqueles que me chamam de ?Seu Neila?…”, conta, rindo de si mesmo.
O caminho do riso
Ney Latorraca sempre considerou uma honra ostentar o “rótulo” de ator cômico. “Em várias partes do mundo, ator é quem faz o papel dramático. E comediante é aquele que faz da tragédia à comédia”, justifica. O ator explica que construiu sua trajetória já “de olho” no humor. Por isso mesmo, fez questão de aproveitar o começo de sua carreira, no teatro, para interpretar papéis dramáticos, em peças de Heiner Müller, Luigi Pirandello, William Shakespeare, Anton Tchekov e Jean Cocteau. Na tevê, a partir do momento em que pôde escolher seus próprios trabalhos, investiu em muita Literatura adaptada, como Anarquistas, Graças a Deus e Memórias de um Gigolô, antes de cair no humor rasgado, como na série TV Pirata e nas novelas Um Sonho a Mais e Vamp. “Para chegar no nível do humor, tenho de estar completamente embasado em trabalhos mais intensos”, explica Ney.
Reencontro marcado
Cerca de dez anos antes da estréia do fenômeno O Mistério de Irma Vap, que passou 11 anos ininterruptos em cartaz, Ney Latorraca disse numa entrevista que o espetáculo que juntasse ele, Marília Pêra e Marco Nanini estaria “fadado ao sucesso”. A afirmativa ganhou ares de premonição com o público de cerca de 2,5 milhões de espectadores e o registro no “Guiness”, o livro dos recordes, como a peça que mais tempo ficou em cartaz com o mesmo elenco – Nanini dividia com ele os oito personagens da peça dirigida por Marília. O que Ney sequer poderia imaginar é que teria a chance de retomar o trabalho, transformado num longa-metragem de Carla Camurati. “Quando ela me ligou, pensei que fosse uma ?pegadinha”, diverte-se o ator.
As filmagens devem começar em meados de julho, Ney e Nanini já fizeram testes de maquiagem e figurino e chegaram a filmar alguns minutos na pele de seus personagens. “A gente fica até com medo, porque é uma responsabilidade levar um sucesso destes para o cinema. Mas acho que o receio é ótimo”, confessa. Por outro lado, a direção de Carla – que na época da peça chegou a produzir o curta-metragem Bastidores, sobre as inúmeras trocas de roupa por trás das cortinas – é um fator de tranqüilidade. “Acho que a arte vai muito bem nas mãos das mulheres. Elas são mais tranqüilas e generosas e lidam de outra forma com o poder”, avalia Ney, que não descarta a possibilidade de o filme acabar gerando uma volta aos palcos. “Nem que seja só uma leitura, com os dois sentados no palco. Se anunciar que vai acontecer isso, acho que lota o teatro”, aposta, animado.