Se ter uma banda é o mesmo que manter um casamento, topar com um ex-companheiro de estúdios e shows deve ser como dar de cara com aquele(a) ex na entrada de um restaurante ou na fila para o cinema. É possível sentir o desagrado na voz de Steve Morris, baterista do New Order, ao descobrir que Peter Hook, o ex em questão, estará em São Paulo para uma apresentação com seu grupo The Light apenas cinco dias depois da trupe de Morris, Bernard Sumner, Gillian Gilbert, Phil Cunningham e o baixista (ou “novo Peter Hook”) Tom Chapman. “Ah, é mesmo?”, diz o baterista com o mesmo desgosto que alguém que acaba de saber que o ex está a poucos metros de distância no show daquela sua banda preferida.
São anos de companheirismo, desde os tempos de Joy Division, ali no fim dos anos 1970, passando pelo auge na década seguinte até a dolorosa separação. Por fim, resta a mágoa, os processos judiciais e as alfinetadas por meio da imprensa pelos dois lados – veja mais no quadro abaixo. Hook e New Order seguiram em caminhos distintos em 2007, dois anos depois de lançarem um disco, Waiting for the Sirens’ Call, cujas gravações foram complicadas por causa das tensões entre o então baixista com o restante do grupo e uma turnê engatada na sequência também cheia de problemas.
Peter Hook vem a São Paulo com seu projeto de revisitar os discos mais clássicos do Joy Division, banda desfeita após a morte do vocalista e letrista Ian Curtis, e do New Order, grupo formado pelos integrantes do Joy Division. Turnês como essa ele já tem feito há tempos – e costumam ser criticadas pelos antigos companheiros. O show, com ingressos já esgotados, será no dia 6 de dezembro, terça, na casa de shows Cine Joia.
O New Order, por sua vez, está mais vivo do que há, pelo menos, uma década. Com Music Complete, disco de inéditas lançado no ano passado, o grupo reconquistou o respeito da crítica que já o via como uma daquelas ex-bandas em atividade, sem criatividade para novas músicas, mas ainda dispostas a encher os bolsos apenas com os sucessos do passado. O New Order, na verdade, foi mais esperto do que isso.
Music Complete é um diálogo com o fino produzido pela banda nos seus anos dourados, quando a presença dos sintetizadores metalizavam o rock outrora gótico e soturno, e as batidas mecânicas robotizavam as pistas de dança. Tudo ainda era sombrio, mas ganhava ares futuristas. Em entrevista ao Estado, Morris (o responsável justamente pelas batidas mecânicas e um apreciador do uso de sintetizadores) conta que o primeiro disco do grupo em dez anos nasceu justamente para promover esse encontro.
Nos anos 1980, o New Order via o futuro do rock a partir de um encontro com a estética sintética. Em 2016, ficou provado que eles estavam certos. O rock, desde os anos 1990, soube trazer os elementos eletrônicos, os beats e os samples para seus subgêneros – até a psicodelia inebriante do Tame Impala só existe graças aos sintetizadores e loopings.
De volta a São Paulo para realizar aquele que será o 14º show em território nacional, o New Order tem a chance de provar esse salto no tempo ao vivo. A apresentação única no Brasil será realizada no Espaço das Américas, no dia 1º, às 23h. O Brasil é o 9º maior destino do New Order ao redor do mundo, em número de apresentações por aqui. Após o show da próxima semana, o País deixará de estar empatado com o Japão. “É, pelo visto, somos mais populares no Brasil do que na Bélgica”, brinca Morris, ao saber do número.
“Queríamos, mesmo, fazer essa ligação direta entre as músicas novas e aquelas antigas. Isso esteve na nossa cabeça logo no início”, continuou o baterista. “Precisávamos de coisas cruas e dançantes. Definitivamente, esse disco foi mais fácil de fazer do que o anterior”, alfinetou Morris – afinal, Hook já não era responsável pelas linhas de baixo. O New Order, mesmo que sua tríade restante original, Sumner, Morris e Gilbert, esteja beirando os 60 anos, ainda é capaz de cantar o amor e as dores da solidão enquanto obriga seus quadris a dançar ao sabor das batidas.
Questionado sobre um possível encontro com Hook pela cidade durante a sua estadia, Morris foi irônico. “Ele deve estar ocupado escrevendo um outro livro, não?”, diz. O baixista, por sua vez, é ainda mais agressivo – leia ao lado. Curioso é como Ian Curtis previu o futuro dos antigos companheiros de banda em Love Will Tear Us Apart. Não foi aquele amor desesperado de Curtis que os destruiu, mas o rompimento ocorreu. Resta só o gosto amargo deixado por um relacionamento acabado.
NEW ORDER EM SÃO PAULO
Espaço das Américas. R. Tagipuru, 795, Barra Funda,
tel.: 3864-5566. 5ª (dia 1º), às 23h. R$ 210 a R$ 380.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.