Neta do amado Jorge, Cecília Amado leu, “como todo o mundo”, “Capitães da Areia” na escola. Os personagens ficaram com ela – Pedro Bala, Dora, o Professor. Assistente de direção em mais de 30 filmes, diretora de TV (“Cidade dos Homens”), ela coassina agora – com o marido fotógrafo Guy Gonçalves – o longa adaptado do livro. Foi um longo processo. Só a rodagem desenvolveu-se ao longo de nove semanas, durante nove meses. Já que a crônica falta de dinheiro criava empecilhos, Cecília resolveu usá-los em seu favor, filmando, tanto quanto possível, cronologicamente. Jean Luís Amorim, que faz Pedro Bala, começa menino e termina homem ao longo do período.

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‘Qu’est-ce Que le Cinéma’, o que é o cinema? Para tentar responder à pergunta, o francês André Bazin escreveu uma série de volumes que se tornaram a bíblia para muitos críticos. Não eram para o próprio Bazin. Às vezes, ele gostava de filmes que não se enquadravam nas normas que traçava. Ocorre com “Capitães da Areia”, o filme, um pouco isso. Cecília absorveu muitas lições no seu aprendizado como profissional de cinema. O filme soma influências díspares, até videoclipe. A irregularidade, a impureza, vira processo. Existem momentos em que o espectador, ou pelo menos o repórter, até gostaria de fechar os olhos para desfrutar a musicalidade da trilha de Carlinhos Brown. Um piscar de olhos já seria ter de desgrudar o olho do elenco, e do trio de intérpretes, que faz de “Capitães” uma rara experiência humana.

Jorge Amado era muito jovem quando escreveu “Capitães da Areia”. Romance da imaturidade, o livro está na origem, aos 24 anos, do seu envolvimento com o Partido Comunista. Escrito nos anos 1930, em plena ditadura do Estado Novo, “Capitães” carrega no background político. Cecília é a primeira a dizer que a política “foi para o espaço”. O que lhe interessa, uma lição do avô, é a humanidade dos personagens. Ela conta que o convívio com o escritor foi decisivo nos seus anos de formação, na década de 1980. O Jorge que conheceu não era o mito, mas o homem, o avô. E o que ela apreciava, o que Jorge lhe legou, independentemente da obra, foi a sua incansável curiosidade pelo outro. Jorge amava as pessoas, interessava-se, genuinamente, por elas.

A história do filme até parece conter elementos de “Cidade de Deus” e da série tirada do filme cultuado de Fernando Meirelles, “Cidade dos Homens”. Cecília trabalhou na O2, a empresa de Meirelles. Essa visão dos garotos de periferia, de rua, a violência. Tudo está no filme. Mas os meninos de rua não vêm do nada. Eles têm uma história, mesmo que seja de rejeição. Os Capitães de Areia criam uma família, a deles. Pedro Bala, o líder, Dora, sua mulher. A primeira coisa que se vê, ou não se vê, é a tela preta. E o som do mar. Antes que o filme se abra para a festa de Iemanjá – dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar, e ele vai terminar em outra festa de Iemanjá -, o espectador que, por acaso, também foi leitor do livro, talvez seja levado, pelo som, a se lembrar do trapiche, onde ocorre uma parte importante da ação.

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Robério Lima, que faz o Professor, era o único com experiência como ator. Ana Graciela Conceição, a Dora, queria ser médica. Jean Luís já integrava o projeto Axé, mas era músico. Percussionista, hoje está nas cordas. O trio candidatou-se aos papéis, com centenas de outros meninos e meninas. Mais de 700, que foram reduzidos para 90. Jean Luís e Ana não acreditavam muito nas suas chances. Na ficção amadiana, Pedro Bala e Dora são loiros. “Deve ter sido alguma influência russa no imaginário do meu avô”, arrisca Cecília. Quando ficou entre os 24 selecionados, e todos estão no filme, Jean Luís, intimamente, sentiu que seria o Pedro Bala do cinema.

Mas a diretora judiou dele. No dia em que foi anunciando o elenco – 12 papéis de peso -, ela deixou Pedro para o final. Jean Luís passou nervoso, mas veio a recompensa. “Dora antecipa Zélia, tem a força e a generosidade da mulher da Bahia, da mulher do Brasil”, define a diretora. “Dora é líder”, diz Ana, que tomou gosto pela representação e se assume como atriz. A preparação do elenco, por Christian Duvoort, foi importante. Os meninos e meninas conviveram juntos por um tempo.

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Dessa convivência saiu um sonho. Os 12 criaram um grupo de teatro, logo chamado de Novos Capitães, mas para eles são Os Capitães, Agora por Nós Mesmos. Os Capitães preparam uma adaptação do livro para estrear no ano que vem, quando se comemora o centenário de Jorge Amado. Não só o de Jorge. De Carybé, também, que o ilustrou. Carlinhos Brown anuncia que prepara para o próximo carnaval, em Salvador, um projeto que vai se chamar Amado Carybé, homenageando o centenário dos dois. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.