Quando recebeu o convite de Walcyr Carrasco para interpretar a amargurada Agnes, de Alma Gêmea, a primeira coisa que Elizabeth Savalla ouviu dele foi: ?Desta vez você não vai fazer a vilã?. Como seu último trabalho na tevê tinha sido a maquiavélica Jezebel, de Chocolate com Pimenta, a atriz gostou da idéia, embora adore as vilãs. Hoje, no entanto, ela se surpreende com o rumo de sua personagem, que tem se mostrado uma grande ?pedra no sapato? da indiazinha Serena, interpretada por Priscila Fantin. ?Imagina se ela fosse a vilã! As pessoas já me ameaçam, não entendem como ela pode fazer mal ?à filha que voltou??, diverte-se a atriz.
De fato, Agnes é o grande contraponto da história. Não só por se opor à mocinha, mas, sobretudo, por representar quem não acredita na reencarnação, tema central da história. Porém Elizabeth prefere não pensar em nada disso. ?Senão, não faço. Para mim, ela é só uma pessoa que perdeu o que tinha de mais precioso na vida?, explica. Mãe de quatro filhos e crente na existência de um mundo espiritual, a atriz garante que o texto e a concepção das cenas são suas únicas inspirações para chegar à dramaticidade da personagem. ?A morte da Luna foi a cena mais difícil. Mas o texto era uma briga dela com Deus e o Jorginho fez tudo grandioso, com a câmara lá em cima, uma loucura?, lembra, sem disfarçar o entusiasmo.
Em pouco tempo de conversa, Elizabeth não deixa dúvidas: trabalhar e falar sobre o trabalho são dois de seus grandes prazeres. Com Friziléia, uma Esposa à Beira de um Ataque de Nervos, espetáculo em cartaz em São Paulo, ela deu um jeito de ampliar ao máximo o tempo de conversas e estudos de texto. Viajou com a equipe da peça para Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro. ?Ator fica insuportável quando ensaia. Não dá para pensar no personagem e pedir carne no açougue ao mesmo tempo?, explica, às gargalhadas. A ?intromissão? na vida pessoal, aliás, foi o único senão que a atriz encontrou ao longo de três décadas na carreira artística. ?Acho que fui abençoada, porque é muito difícil construir uma família legal com esta vida que a gente leva, sem horário para nada?, conclui, com serenidade.
P – O Walcyr disse que precisava de uma atriz intensa para viver a Agnes, por ser o contraponto da trama. Como você vê esta responsabilidade?
R – Eu não penso nestas coisas, senão não faço nada. Tudo isso vem como uma concepção do autor. Como ele está escrevendo a história, é importante pensar em quem vai ser o contraponto, em como estas opiniões vão aparecer. Mas, para mim, a Agnes é uma personagem como outra qualquer da trama. Acho também que não é só uma questão da intensidade do ator, mas das próprias cenas. Lembro de quando gravei a cena em que ela descobre que a Luna morreu. Foi uma loucura: boa parte do elenco lá, o Jorginho fez uma coisa grandiosa, com a câmara lá no alto e ela brigando com Deus. Como sou mãe de quatro filhos e sempre acreditei no mundo espiritual, foi difícil viver este sentimento da perda e da revolta. Mas acho que ficou bom, porque há um número enorme de mães que perderam filhos e têm vindo falar comigo sobre aquele momento.
P – Você fez muitas mocinhas também. De que lado é mais prazeroso estar?
R – Fazer a mocinha é muito chato. Elas choram muito, sofrem muito, a gente sai com dor de cabeça do estúdio, parece que está carregando o mundo nas costas. Se eu fosse contar as lágrimas que já derramei em cena… Se ganhasse por lágrimas, já estaria trilhardária. Quando comecei a fazer as vilãs, e depois as vilãs cômicas, vi que poderia me divertir muito mais.
P – E quais são seus maiores aprendizados nestes 30 anos de profissão?
R – Descobri uma série de coisas e uma das mais fascinantes é a possibilidade de viver várias vidas em uma. Por isso, não se pode ser ator sendo preconceituoso. Para viver os personagens, é necessário estar aberto para eles. De uma certa forma, ator é um pouco advogado de defesa. Senão, ninguém conseguiria interpretar um Hitler, por exemplo. É necessário que personagens como este sejam interpretados, até para se mostrar à sociedade o quanto ela pode se deixar levar por pensamentos e pessoas que são muito perigosos. E é preciso ter muito equilíbrio também, porque a gente lida o tempo inteiro com nossa própria auto-estima. Quantos testes a gente faz na vida? E às vezes não é aprovado por uma questão de perfil, de características físicas, mas bate uma insegurança enorme. Não é um produto que está sendo rejeitado, é você quem é testado e posto à prova o tempo todo. Se alguém diz ?não?, parece que está dizendo ?não? a você, ao que você é. Mas é preciso saber que não é bem assim. Hoje tenho a tranqüilidade de pensar que, sempre que não me quiseram para um trabalho, era uma questão de perfil. Ou então porque o trabalho não me merecia mesmo.
Tudo em nome da paixão
Foi contra a vontade dos pais que Elizabeth Savalla iniciou a carreira de atriz, na década de 70. Trinta anos depois, ela tem certeza de que fez a opção certa. Mas não esconde que, se pudesse, influenciaria os filhos a seguirem outras profissões. ?O preço da carreira é muito alto e o ator paga com sua vida pessoal. Mas, se não se pode ser feliz sem o aplauso do público, não tem outro jeito?, justifica Elizabeth, que pode considerar seu desejo ?realizado pela metade?. De seus quatro filhos, dois, Thiago e Diogo, são atores. Já Cyro e Tadeu trabalham na área de Turismo.
A maternidade e a carreira, aliás, sempre andaram de mãos dadas na vida de Elizabeth. Ela se casou aos 19 anos com o também ator Marcelo Picchi e, pouco depois, foi escolhida para viver Malvina em Gabriela, sua estréia na tevê.
Aos 20 anos, foi mãe de Thiago. Desde então, não parou mais de trabalhar e até hoje se culpa por não ser uma mãe ?normal?. ?Quer coisa pior que aquelas festinhas de Dia das Mães na escola? Ficava imaginando os meninos largadinhos lá, feito uns órfãos, mas nunca pude ir?, conta, entre risos.
Na tevê, Elizabeth fez toda sua carreira na Globo, onde viveu várias mocinhas, como a suburbana Lili, de O Astro, Marcela, de Plumas & Paetês, que mantinha dupla identidade, e a simpática Bruna, de Pão Pão, Beijo Beijo. Hoje, no entanto, ela tem se divertido com vilãs como a tresloucada Jezebel, de Chocolate com Pimenta. ?Qualquer papel em que você consiga fazer as pessoas saírem de seu mundinho e observarem o outro é muito gratificante ?, opina.
Uma celebração em cena para os 30 anos de carreira
Elizabeth Savalla é capaz de passar horas enumerando tudo o que aprendeu em 30 anos de profissão. Mas um de seus ?enunciados? favoritos é o que diz que ?lugar de ator é no palco?. Por isso, ela fez questão de montar um espetáculo teatral para comemorar o marco das três décadas de carreira. Toda semana, Elizabeth se divide entre as gravações de Alma Gêmea e as apresentações de Friziléia, Uma Esposa à Beira de um Ataque de Nervos, atualmente em cartaz em São Paulo. A peça, uma comédia rasgada, foi escrita por Camilo Átilla, com quem a atriz trabalha e vive um ?casamento em casas separadas? há cerca de 18 anos. ?É muito bom fazer as pessoas rirem, proporcionar alegria, consciência e emoção aos outros através da arte?, pontifica.
Foi justamente o lado idealista da profissão que levou Elizabeth a aceitar o convite do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, para exercer a coordenadoria de eventos teatrais para as zonas norte e oeste da cidade. E Friziléia percorreu lonas culturais e praças públicas antes de chegar aos teatros convencionais. ?Sabe lá o que é fazer um espetáculo para cinco mil pessoas dentro de uma comunidade às vezes em guerra?!?, ressalta Elizabeth, que pretende levar os espetáculos também a presídios de São Paulo. ?Sempre tive este desejo. São pessoas carentes de tudo e o teatro pode fazer muito por elas?, acredita.