O corpo do acadêmico e cineasta Nelson Pereira dos Santos está sendo velado desde o início da manhã desta segunda-feira, 23, na sede da Academia Brasileira de Letras (ABL), no Centro carioca. Ele morreu na tarde de sábado, 21, de falência múltipla dos órgãos, após a descoberta de um câncer de fígado, aos 89 anos. Ele estava internado desde o último dia 12 no Hospital Samaritano, na zona sul. O enterro está marcado para as 16h, no Mausoléu da ABL, no Cemitério São João Batista.

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Nelson é um dos pioneiros do Cinema Novo, com Rio 40 graus, de 1955. Ele também dirigiu Vidas Secas, de 1963, baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos e considerado uma das mais importantes obras do cinema brasileiro. Em 2006, foi o primeiro cineasta a entrar para a ABL, onde ocupava a cadeira de número 7.

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O cineasta Walter Salles Jr. chegou cedo ao velório para prestigiar o mestre que, segundo ele, influenciou não apenas o seu trabalho, mas o de todos os cineastas brasileiros, ao revelar um Brasil que não costumava aparecer nas telas.

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“O Nelson deu régua e compasso ao moderno cinema brasileiro, deu nome a toda uma geografia humana que estava ausente da tela até aquele momento; fez um gesto semelhante ao de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos na literatura”, afirmou Walter Salles Jr. “E, com Vidas Secas e toda a sua filmografia extraordinária, ele aponta para um país mais original, mais justo, mais independente do que aquele em que vivemos hoje. Ele oferece uma bússola para o moderno cinema brasileiro desde a sua largada, mas também aponta para a possibilidade de redirecionar o País hoje.”

O cineasta Luiz Carlos Barreto, que foi diretor de fotografia em Vidas Secas, também destacou a importância de Nelson para a cinematografia nacional.

“Ele deixa um legado para o Brasil, o de que o cinema é uma coisa útil, e não fútil. Ele engrandecia o espectador, provocava reflexão crítica e emoções verdadeiras”, disse Barreto.

A produtora Lucy Barreto lembrou que teve a sua primeira oportunidade de trabalho, ainda como estagiária, na assistência de direção de “Vidas Secas”: “Nelson reinventou o cinema brasileiro com o Rio 40 graus”, disse. “Acho que podemos dizer que existe um cinema brasileiro antes e depois de Nelson Pereira dos Santos; todos os diretores que vieram depois, como Cacá Diegues, Rui Guerra, Joaquim Pedro, todos eles, de certa forma, cada um com sua personalidade, foram alunos do Nelson.”

O ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, que trabalhou com o cineasta na Embrafilme, também destacou o pioneirismo de Nelson Pereira dos Santos no cinema nacional.

“Ele é um dos maiores nomes do nosso cinema, um precursor, que começou a fazer cinema novo antes que existisse o Cinema Novo”, contou. “Fez um dos maiores filmes do cinema brasileiro, que é o Vidas Secas, e foi também um grande líder político dentro do cinema.”

O presidente da ABL, o escritor Marco Lucchesi, destacou a coincidência de o velório e o enterro do cineasta acontecerem no dia de São Jorge (ou Ogum, na tradição religiosa afro-brasileira, o orixá da guerra).

“O Nelson é um amuleto, uma espécie de muiraquitã, pois nesse mesmo dia as pessoas estão celebrando o santo, Ogum, nas ruas e nos terreiros”, afirmou Lucchesi. “E essa vida cultural foi a que ele retratou de forma inaugural, dando visibilidade à toda pluralidade cultural do Brasil.”

O cineasta Estevão Ciavatta, que foi aluno de Nelson Pereira dos Santos, chegou ao velório junto com a mulher, a atriz e diretora Regina Casé.

“Para mim, é o maior cineasta da história do Brasil, um personagem fundamental da cultura brasileira”, afirmou. “Foi meu professor e vai fazer muita falta porque é um gênio; uma pessoa que inaugurou um novo momento do cinema brasileiro e vai seguir sendo sempre uma referência.”

Outra aluna de Nelson, a produtora Glaucia Camargo, também prestou homenagens ao professor.

“Se não fosse ele, talvez eu não estivesse aqui hoje”, disse Glaucia. “Ele sempre foi tão acolhedor, tão tranquilo, meu pai na história do cinema, digamos assim; fui a primeira aluna mulher dele, estou aqui até hoje, produzindo.”

Em entrevista por e-mail, Alceste Pinheiro, ex-coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) falou da importância do cineasta como professor do curso de cinema.

“Eu fui estudar cinema na UFF, antes de pensar em ser jornalista, por causa do Cinema Novo. Já tinha visto todos os filmes dessa geração. Eu gostava mais dos filmes de Nelson do que dos de Glauber (Rocha). Os considerava mais didáticos”, escreveu. “Fui reencontrá-lo em 1985 quando fui dar aula na UFF. Tornei-me seu colega no curso de Comunicação Social (…). Ai tive acesso a um outro Nelson, um homem afetuoso, elegante no trato, sem dar a menor importância ao que tinha conquistado.”

A neta do cineasta, Mila Chaseliov, lembrou do avô que encantava a ela e aos colegas.

“Mais do que um grande cineasta, é o meu vovô Nelson”, disse. “Ele era incrível, foi um avô muito presente. Tenho lembranças maravilhosas dele indo à minha escola explicar para as crianças o que era cinema.”