‘Nebraska’ chega ao Oscar com boas chances

Em Cannes, no ano passado, quando conversou com o repórter, Alexander Payne, pelo retrospecto de sua carreira – Sideways, Os Descendentes -, poderia imaginar, secretamente, que quase um ano depois estaria no Oscar. Mas era arriscado garantir, com certeza, que Nebraska, Bruce Dern e ele estariam entre os indicados para o prêmio da Academia. O filme que estreia na sexta-feira, 14, concorre em cinco categorias – filme, diretor, atriz coadjuvante, roteiro e fotografia. É o melhor do diretor.

O longa conta a história de um velho que começa a apresentar sintomas de demência. Ele acha que ganhou US$ 1 milhão num desses folhetos promocionais, que vivem prometendo o mundo às pessoas. Mas há um problema – ele mora em Montana e terá de buscar o prêmio em Nebraska. Como não tem mais licença para dirigir, resolve caminhar, e obriga seu filho a embarcar nessa viagem com ele.

Fotografia em preto e branco, grandes interpretações – Bruce Dern, June Squibb -, Nebraska desafia classificações. Foi a primeira coisa que Payne disse. “Quando li o roteiro, pensei nele como uma comédia. É sempre meu primeiro movimento, na vida como nos filmes. Tirar partido da adversidade pelo humor. Mas não se pode levar tudo na brincadeira. Nebraska tem momentos de gravidade e de drama, e são os que ancoram na realidade.”

É outro filme sobre pais e filhos – outro, porque o belíssimo filme do japonês Hirokazu Kore-eda segue em cartaz. Payne diz que falar sobre pais e filhos toca a universalidade. “Nunca encontrei uma pessoa que falasse de seu pai como sendo seu herói. Na vida, todos temos uma fase de contestação da autoridade e ela começa em casa. Édipo já ensina que é preciso matar o pai para crescer – matar, metaforicamente. Tive um pai que era comunicativo, mas eu nunca consegui decifrá-lo. Pensava comigo: “de que planeta ele veio?”. O filme está carregado desse sentimento. Mas eu nunca pendo nos temas, enquanto estou filmando. Minha preocupação é sempre mais técnica. O que preciso saber, e resolver com meus técnicos e atores, é se a cena vai funcionar, se tem ritmo. Só depois que o filme fica pronto é que começo a me distanciar. E só com distanciamento é que consigo descobrir os temas e a necessidade profunda que me levou a contar a história.”

Talvez o espectador que vai ver agora Nebraska identifique certa similaridade do filme de Alexander Payne com História Real, de David Lynch. Faz uma diferença enorme que no filme de Lynch Richard Farnsworth faça sua jornada sozinho, enquanto Dern a divide com o filho. Mas são ambos velhos, com dificuldade de locomoção.

Bruce Dern, pai de Laura Dern, foi ator de Alfred Hitchcock (em Trama Macabra), mas talvez fosse necessário todo o espaço desse texto para enumerar os westerns de que participou. Dern foi melhor ator em Cannes, no ano passado, mas quando deu a entrevista ele ainda não sabia que isso ia ocorrer – nem que seria indicado para o Spirit Award, o Globo de Ouro e o Oscar. Mas ele já sabia de uma coisa. “Ninguém passa impunemente pelos grandes papéis, e esse é o melhor de minha carreira. Só posso agradecer a Alexander (Payne) por haver pensado em mim. Esse homem não sou eu e, ao mesmo tempo, tem muito de mim. Quem não vive na corda bamba do sonho e da desilusão?”

June Squibb também ainda não sabia que seria indicada para melhor atriz coadjuvante, mas também intuía que Nebraska era um filme importante para ela. “Já fiz teatro, cinema e televisão. Nada me é estranho, mas quando o filme é bem escrito, e esse é, fica mais fácil viajar nas personagens.” De tudo o que Payne disse na entrevistas, nada foi mais revelador que as suas brigas com o estúdio para fazer o filme em P&B. “Eles queriam que fosse colorido, para aproveitar a paisagem, e não entendiam quando eu dizia que ia estragar o clima. Queriam astro, alguém bem conhecido, e Bruce (Dern), por melhor que seja, fez sua carreira em pequenos papéis. Finalmente, concordaram, mas o orçamento teria de ser baixo. E já que o orçamento era reduzido, eu pude fazer o filme como queria, sem interferências.”

Gente

Isso lhe permitiu, inclusive, fazer uma mistura muito atraente. “Desde o começo, quando li o roteiro, percebi que o filme só seria efetivo se tivesse gente com cara de gente. Se pudesse misturar atores com não profissionais. Esse foi o maior desafio, que tomou cerca de um ano. Os irmãos de Bruce e suas mulheres são fazendeiros de verdade, a maioria pelo menos. Os sobrinhos, os amigos, os antigos desafetos. A cada etapa, eu tinha de voltar e fazer testes, verificar como seria a interação dos já contratados com os novos que estavam chegando. Era uma coisa que sempre quis fazer e, em alguns momentos, antes, quase consegui. Dessa vez, é todo o conceito do filme.”

Alexander Payne é uma raridade – um diretor que também é cinéfilo. Ele contou na entrevista que gosta de viver em Los Angeles, em Hollywood. “Adoro caminhar e descobrir as antigas locações de filmes clássicos que admiro. Moro perto da casa em que Billy Wilder filmou Pacto de Sangue (o cult filme noir com Barbara Stanwyck e Fred MacMurray). Minha imaginação viaja e eu chego a pensar que os eflúvios da criatividade daqueles grandes talvez tenha permanecido no ar.” Dias depois da entrevista, o repórter reencontrou o diretor, que assistia a O Sol por Testemunha, de René Clement, em Cannes Classics. Estava fascinado. “Ninguém mais filma bem assim. E (Alain) Delon! What a wonderful actor! Que ator maravilhoso!” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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