Quando se decide por uma música na abertura de uma produção de tevê, a idéia é que o espectador, assim que a ouça, pense imediatamente no programa. E a programação está cheia de exemplos de casamentos entre música e programa bem-sucedidos. Algumas deram tão certo e ficaram tanto na memória do público que mesmo os “remakes” usam a música-tema original. Casos da série Carga Pesada, do infantil Sítio do Pica-Pau-Amarelo e humorístico A Grande Família, todas com mais de 20 anos. Mais recentes são os temas da novela Agora É Que São Elas e do “reality-show” Big Brother Brasil.
A música é tão importante para identificar um programa que algumas acabam até batizando as produções. São os casos, por exemplo, das atuais Jamais Te Esquecerei, no SBT, e Kubanacan, na Globo, nomes de antigos boleros. “Encomendar uma música é um tiro no escuro. No meu caso, tive sorte com a trilha do Sítio, pois marcou definitivamente a produção”, afirma Dori Caymmi, produtor da trilha do infantil em 1977, celebrizada pela abertura de Gilberto Gil, que ganhou novo arranjo na atual versão.
Já Renato Teixeira lembra do “sufoco” que foi a criação de Frete, que abre o seriado Carga Pesada que na nova versão sofreu uma “releitura” de Chitãozinho e Xororó. A encomenda a Renato veio após a música Cavalo Bravo entrar na trilha da novela Pai Herói, em janeiro de 1979. Ele pesquisou o universo dos caminhoneiros, inclusive dizeres de pára-choques como “nunca misturei mulher com parafuso”, que ele completou com “mas não nego a elas meus apertos”. Ele só terminou a música um dia antes da primeira chamada de Carga Pesada ir ao ar na Globo, no início de maio de 1979. O compositor, na época, criou jingles para produtos como Sonrisal, Ortopé e Drops Kids Hortelã e mais tarde fez outras aberturas, como a do extinto Som Brasil, da Globo. Terminei Frete de madrugada, enviei de avião para o Rio pela manhã e de noite entrou no seriado. Saiu na pressão”, recorda Renato.
Novos e antigos
Outro compositor requisitado por diretores e autores televisivos é o pernambucano Lenine. Ele criou, por exemplo, a música De Sabugo a Visconde para a nova versão do Sítio do Pica-Pau-Amarelo e as canções incidentais para a microssérie A Invenção do Brasil. O último pedido foi do diretor Roberto Talma, que encomendou uma canção que servisse como um panorama geral para Agora É Que São Elas. O refrão, inclusive, marca os intervalos comerciais da novela. O compositor afirma que freqüentemente recebe pedidos, mas que passa adiante quando não se sente estimulado. “O importante é não alterar minha maneira de fazer música e a encomenda ter uma assinatura autoral”, ressalta Lenine, que foi redator de Os Trapalhões.
Um veterano da área é o compositor Ivan Lins. Em 1978, por exemplo, ele compôs a pedido de Boni a canção Começar de Novo, que foi interpretada por Simone, após ler a sinopse do seriado Malu Mulher, exibido em 1979. Desde então acumulou sucessos em novelas a ponto de lançar uma compilação. A pedido do SBT, fez um novo arranjo para o bolero Jamais Te Esquecerei, gravado por Rago e seu Regional no começo dos anos 50. A música foi lembrada pelo diretor David Grinberg e acabou batizando a novela importada pela emissora de Silvio Santos.
Um bolero antigo também serviu de inspiração não só para batizar como para criar todo o universo de Kubanacan. O autor Carlos Lombardi resgatou a música de um LP que Ney Matogrosso havia gravado em 1975 e tinha a suingada Coubanakan, dos compositores Moisés Simons, Sanvat e Chamfleury, que fala de um misterioso país do amor. O autor da novela das sete da Globo já havia utilizado na minissérie O Quinto dos Infernos a música Barco Negro, do mesmo disco antigo de Ney, mas que passou despercebida. Ney adorou o fato de Lombardi ter resgatado um disco que não saiu em CD e a música ter recebido um novo arranjo. “As novas percussões a deixaram ainda mais dançante”, analisa o cantor .
Um grande impulso
Uma música por encomenda pode ajudar de várias maneiras um compositor. Zé Ramalho, por exemplo, estava passando por uma fase de baixas vendagens quando fez Mistérios da Meia-Noite, tema do professor Astromar, vivido por Ruy Resende, personagem que era o suposto lobisomem da cidade fictícia de Asa Branca, em Roque Santeiro, da Globo, entre 1985 e 1986. “Essa música me fez voltar a ter a agenda lotada de shows novamente. Foi um recomeço”, afirma Zé Ramalho.
Já o compositor Paulinho da Viola acabou “assumindo” o lado de cantor ao interpretar a abertura de Pecado Capital, novela de Janete Clair exibida em 1975. Embora tenha gravado o primeiro disco em 1968, foi com esse samba que ele atingiu o público de todo o Brasil. Paulinho lembra que o samba se tornou tão popular com a exibição da novela que até hoje é praticamente impossível fazer um show sem incluí-la no repertório. “Pecado Capital contribuiu para que eu definitivamente virasse cantor”, garante o sambista.
Grandes nomes da MPM
* Véu de Noiva, exibida pela Globo entre novembro de 1969 e junho de 1970, foi a primeira novela a ter uma trilha encomendada. O diretor musical era Nelson Motta e a música de maior sucesso foi Teletema, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar. O disco da trilha vendeu 70 mil cópias, um sucesso para a época.
* Gilberto Gil compôs a canção Pela Lente do Amor, especialmente para o seriado Amizade Colorida, exibida pela Globo em 1981.
* A Grande Família, originalmente exibida na Globo em 1973, tem a abertura feita por encomenda pela dupla Tom e Dito. Na nova versão quem canta é Dudu Nobre.
* Há quem mantenha compositores para criar temas para as suas produções. Jayme Monjardim, por exemplo, trabalha desde Pantanal com Marcus Viana. Já Benedito Ruy Barbosa convoca o filho Marcelo Barbosa.
* Tom Jobim fez as aberturas da minissérie Anos Dourados e da novela Brilhante. Jorge Ben também assinou os temas de Plantão de Polícia e Xica da Silva.