São Paulo – O livro vendeu mais de 60 milhões de cópias. Foi revirado, decodificado, desmentido e difamado. Ainda está fresquinho na memória dos que o leram e até daqueles que nem o folhearam. A expectativa em torno de "O Código Da Vinci" lhe dava ampla vantagem sobre outras superproduções do ano. Tom Hanks no elenco, Ron Howard na direção. E as polêmicas herdadas da obra de Dan Brown serviram apenas para deixar a platéia ainda mais ansiosa. Afinal, valeu a pena esperar?
A história já foi bastante esmiuçada e não sobrou nenhum segredo para Howard explorar no cinema. De passagem por Paris, o simbolista americano Robert Langdon (Hanks) é chamado de madrugada pela polícia francesa. O curador do Museu do Louvre foi morto ali mesmo, mas deixou estranhas charadas que levariam ao assassino. Em vez disso, elas revelam uma conspiração para esconder um segredo que desestabilizaria a Igreja Católica. Langdon torna-se o principal suspeito e precisa da ajuda da criptógrafa Sophie (Audrey Tautou), neta do morto, para decifrar as pistas.
Como era de se esperar, a missão de condensar um livro de mais de 400 páginas repletas de detalhes minuciosos em duas horas e meia de filme deixou seqüelas. Para ganhar em agilidade, a história foi simplificada ao máximo. As pistas, que deixavam os leitores atentos a todos os detalhes, passam quase despercebidas. Na tentativa de corrigir alguns pontos frouxos no romance, tomaram várias liberdades – algumas acertadas, outras bastante preguiçosas ou simplesmente desnecessárias. Mas o pior é perceber o quanto os personagens ficaram rasos. Principalmente os secundários, como o bispo Aringarosa (Alfred Molina) e o investigador de polícia Fache (Jean Reno), cuja motivação não convence. Para tentar dar algum contorno aos personagens, o diretor aposta em flashbacks – muitas vezes incompreensíveis para quem não tem o livro como apoio. É o caso do sinistro assassino albino Silas (Paul Bettany), figura forte, mas pouco aproveitada.
A mudança mais curiosa é a do próprio Langdon, no livro um convicto defensor da opinião conspiratória. Desde o sucesso de ?O Código Da Vinci? nas livrarias, outros livros, documentários e reportagens trataram de apontar seus pontos fracos, incorreções históricas e liberdades poéticas da obra. Surpreendentemente, o filme acolhe essas críticas e faz o próprio protagonista questionar as teorias do livro. Quanto às polêmicas envolvendo o nome da Igreja Católica – e principalmente seu braço mais conservador, a Opus Dei -, o filme também arruma um modo de se esquivar dela em alguns momentos, deixando a impressão de que os religiosos que protestaram contra o filme ao redor do mundo fizeram muito barulho por nada.
Ficção que brinca de maneira competente com elementos reais, o romance é um jogo bem armado por Brown. Tão verossímil quanto uma aventura de Indiana Jones atrás da Arca da Aliança, é um passatempo instigante. Sua grande sacada não é a teoria conspiratória que supostamente revela, mas a idéia de ambientá-la em lugares conhecidos, como o Louvre ou as igrejas visitadas por Langdon e Sophie, mexendo com o imaginário popular Sabiamente, o filme foi rodado em quase todos os lugares citados no livro. Esperava-se autenticidade, mas Howard não soube explorar as locações.
Se, para quem leu o livro, o filme é frustrante, os que não leram ficarão indiferentes. É pouco movimentado para atrair os mais jovens – as seqüências de ação já eram arrastadas no livro -, mas passa apressado por explicações complexas, que exigiriam mais tempo e que acabaram virando um blablablá pomposo Para adornar a adaptação, a trilha sonora do alemão Hans Zimmer parece ser ininterrupta. Quase dá para entender os censores ingleses, que pediram para amenizar a "tensão" da música por causa das crianças. Se essa é a versão tranqüila, a anterior devia dar taquicardia. O filme mais esperado do ano poderia ser uma boa diversão escapista. Talvez, se tivessem criado apenas esta expectativa, deixaria uma impressão melhor.