Gilberto Gil aprovou a proposta, não quis interferir em nenhum momento da criação, mas fez apenas um pedido: que não fosse um espetáculo autobiográfico. “Vamos assim mostrar uma peça formada por 11 quadros temáticos, imaginados a partir da coerência das ideias dele”, justifica Gustavo Gasparani, autor e diretor de Gilberto Gil, Aquele Abraço – O Musical, que estreia sexta-feira, 18, no Teatro Procópio Ferreira. Na quarta, 16, haverá uma sessão para convidados à qual Gil pretende participar – recentemente, ele passou internado em São Paulo para fazer uma bateria de exames.

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Apesar de emocionado com a presença do cantor, Gasparani sente-se seguro com o material que vai apresentar. “Há alguns dias, os filhos do Gil assistiram ao musical e ficaram muito satisfeitos”, diz o diretor, sem esconder um certo alívio. De fato, há motivos para ostentar tamanha segurança – com oito experientes atores/músicos à frente, a peça apresenta quase cem canções de Gil, costuradas a fim de mostrar a evolução do pensamento do cantor/compositor ao longo de 50 anos de carreira.

“A música sempre foi o melhor caminho para Gil difundir sua filosofia”, comenta. “O espetáculo trata basicamente de tempo, vida e morte, três temas que permeiam intimamente sua obra, que sempre se revelou atual.” E, a fim de informar ao público que não assistirá a um musical biográfico, Gasparani criou uma cena de abertura em que todos os oito atores respondem à pergunta “Quem será Gilberto Gil?”: “O elenco fala: ‘Todos somos Gilberto Gil’, uma forma de também incluir a plateia.”

O musical revela como as letras de Gil, além de poéticas, são também teatrais, ecoando a trajetória do cantor. São elas que dão o tom dramatúrgico de blocos temáticos que passeiam pela sua origem musical, o movimento tropicalista, a negritude, amor, religiosidade, tecnologia, futurismo, entre outros assuntos que marcam as composições. “É a nossa impressão sobre a obra do Gil, portanto, não podia ser algo careta.”

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Há muitos anos envolvido com espetáculos movidos à música popular brasileira (em especial o samba), Gasparani foi convidado pelo produtor Sandro Chaim para criar algo que homenageasse Gil. O momento era delicado: ele havia perdido a mãe e uma amiga querida, a diretora e atriz Bel Garcia. “Com os sentimentos tão aflorados, decidi deixar o lado sensorial comandar a criação, obedecendo mais a emoção que a razão.”

Já ciente de que não deveria caminhar pelo aspecto biográfico, ele começou a fazer uma imersão na obra do cantor. “Comecei lendo as letras e depois ouvindo as canções. Foi uma experiência muito intensa, pois cresci ouvindo as músicas de Gil, Caetano, Chico Buarque. Eles fazem parte da nossa educação musical”, conta ele, que pensou em um caminho arriscado, mas que, se bem percorrido, resultaria em algo original. “Chamei os atores e pedi que cada um me contasse sobre sua relação com a obra do Gil. Foi algo muito forte, alguns não conseguiram segurar as lágrimas e separei aqueles que apresentavam uma melhor conexão com o espetáculo.”

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Assim, entremeados às letras criadas pelo compositor baiano, surgem depoimentos que retratam o efeito emocional provocado por tais canções. A experiência é reforçada por telão em forma de totem, que exibe imagens complementares a cada um dos 11 quadros imaginados por Gasparani.

Ao optar por não realizar um espetáculo convencional, o diretor sabia do risco que corria. “Sei que, em alguns momentos, o musical até parece caótico, mas até isso traz a força da poesia de Gil, na maioria das vezes reveladora em sua loucura.”

A fim de apresentar 58 canções cantadas (inteiras ou trechos) e outras 39 faladas (em forma de texto), Gasparani contou com um parceiro de longa data (desde 1999), Nando Duarte, que assina a direção musical. Foi ele quem selecionou ao encenador as ideias possíveis de se realizar, além de orientar os atores, que executam um número impressionante de instrumentos: 60, de 39 diferentes tipos. Mesmo que nem todos sejam músicos profissionais, os artistas aprenderam os principais segredos e atalhos.

“O que facilitou é o entrosamento, pois eles atuam juntos desde 2013, quando estreamos o musical Samba Futebol Clube”, conta Gasparani que, por causa disso, conseguiu criar momentos sofisticados e, ao mesmo tempo, simples em apenas três meses de ensaio. O elenco é formado por Pedro Lima, Luiz Nicolau, Cristiano Gualda, Rodrigo Lima, Jonas Hammar, Alan Rocha, Gabriel Manita e Daniel Carneiro.

Outro ponto alto do espetáculo é a cenografia criada pelo experiente Hélio Eichbauer: o cenário traz referências da natureza, bambus e um fundo azul, que dá o contorno da linha do horizonte. O totem em formato de cruz contempla imagens históricas de Gil, além de outras que dialogam com sua obra. E, nas laterais, estantes de madeira inspiradas na obra do artista plástico Rubem Valentim, de forte influência do candomblé.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.