Teatro

Nanini faz prisioneiro que se confunde com Oscar Wilde

Preso em sua cela de vidro, Bala (Marc o Nanini), protagonista de Beije Minha Lápide, desenvolve uma relação especial com as únicas três pessoas com quem convive: o carcereiro Tommy, sua filha Ingrid e a advogada Roberta. “Entre eles, acontece um relacionamento muito íntimo e, às vezes, muito dolorido”, comenta Nanini.

De fato, enquanto encarcerado, Bala escreve um texto que pretende presentear a filha. Por proteção, pede a Tommy, com quem criou uma amizade ambígua e erotizada, que guarde os originais. Mas, no momento da entrega do presente, o material sumiu. Bala sabe que Tommy surrupiou os papéis – resta saber se com a intenção de vendê-los ou de publicá-los como de sua autoria.

Tal parte da trama se assemelha a uma das mais importantes obras de Oscar Wilde, De Profundis. Trata-se, na verdade, de uma longa carta de amor, escrita durante sua permanência na prisão. Em 1895, ele foi condenado a dois anos encarcerado sob a acusação de indecência grave, considerado crime na época, por conta de seu escandaloso relacionamento homossexual com o jovem estudante de Oxford, Lord Alfred Douglas.

A carta é um momento raro na carreira de Wilde, habitualmente conhecido por escritos mordazes que deságuam em críticas contundentes. Aqui, ao apresentar um relato da conturbada relação de amor e ódio que manteve com Bosie (apelido de Douglas), Wilde tece importantes reflexões através de uma profunda autoanálise de consciência.

É fechado entre quatro paredes que o brilhante escritor irlandês despe-se de suas máscaras e revive os piores momentos daquele “amor que não ousa dizer o nome”, questionando a paixão, o perdão e a religião. Ao expandir os sentimentos, Wilde apresenta-se como um espectador de sua própria tragédia. E, embora seja um autor habitualmente visto como um consumado esteta, sua obra mantém um diálogo constante com a vida real.

O texto de Beije Minha Lápide, escrito por Jô Bilac, traz diversas passagens das obras de Wilde, especialmente quando destila cultura e refinamento. “Ele sofreu duramente e isso se traduz por meio das palavras”, conta Nanini, que espalha seu talento em longos monólogos, especialmente os que retratam os momentos em que Bala dita seu texto para a advogada Roberta.

Como no seguinte trecho, em que o personagem dita falas em sinapses alucinadas, como se estivesse chacoalhado por um maremoto interno: “Um picador de gelo / Dois pontos paralelos / um em cada lado do crânio / um soquete / mão firme / um golpe decisivo / martela o picador de gelo / no crânio / dentro / do crânio / como um milk-shake / de um lado para o outro / o picador de gelo corta / rompe as conexões entre os lobos frontais e o resto do cérebro / o cérebro / Lobotomizado”.

No próximo trecho, é feita uma referência a Frances Farmer (1913-1970), atriz hollywoodiana de rara beleza, mas que se tornou mais conhecida fora das telas, especialmente pelo seu internamento compulsivo de seis anos em um hospital psiquiátrico, onde teria sido lobotomizada.

Esse clima de sufocamento será cuidadosamente retratado pelo cenário, criado por Daniela Thomas, que já se tornou tradicional colaboradora das montagens de Nanini. As quatro paredes da redoma de vidro serão utilizadas também como tela para a projeção feita por quatro aparelhos diferentes. Outro fiel colaborador, Beto Bruel, será o encarregado da iluminação, cujo principal objetivo será detalhar e até acentuar a sensação de confinamento. Finalmente, a trilha sonora será especialmente composta por Rafael Rocha.

A produção do espetáculo está a cargo da Pequena Central, centro criativo mantido por Nanini e Fernando Libonati, responsável também pelo Instituto Galpão Gamboa, precioso espaço montado no Rio, criado inicialmente para receber ensaios de peças e que hoje auxilia na capacitação de moradores daquela região. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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