Na ficção de Greta, que estreia quinta-feira, a melhor amiga do personagem de Marco Nanini é uma mulher trans, uma performer interpretada por Denise Weinberg. Ao amigo, ela diz: “Aprende logo a viver sozinho, porque estou morrendo”. Nanini sabe o que arrisca fazendo o papel. Não é só a questão de o personagem ser gay. É a exposição tanto física quanto emocional. Aparecer de nu frontal, aos 71 anos – “E gordo, né?”, ele assume -, não é para qualquer um.
Apesar da exposição da decadência física – “Pronto, tá feito. É pegar ou largar'” -, ele recebe com prudência as afirmações de que foi “ousado”, “corajoso”. No CineCeará, em que Greta terminou como grande vencedor, foi o que mais ouviu. “Mas não sei se é o caso. Se eu pensasse assim, que seria corajoso, acho que travava. Seria sinal de que tinha medo. Os pobres, os velhos, os negros, os gays, as trans estão sendo massacrados todo dia. O problema do Brasil não é o beijo gay, é a desigualdade social”, reflete.
E acrescenta. “Esse avanço do conservadorismo não é coisa nossa, tem ocorrido em todo o mundo. O que é nosso é piorar o que já é ruim.” Fazer esse velho transgressor seria uma bênção para qualquer ator. Nada mais diferente dele que o pai de família careta de A Grande Família, que foi reprisado nas tardes da Globo recentemente. “Será tão diferente assim?”, pergunta-se Nanini. “É a mesma matéria humana. Fiz um com a mesma entrega do outro. Respeito meus personagens para que eles gostem de mim.” Tratam-se de dois personagens numa extensa galeria. O caso de Lineu tornou-se especial. “O texto era muito bem escrito e a equipe muito entrosada. Trabalhando tanto tempo junto, a gente criou laços, como uma família de verdade.”
Nanini também foi um divertidíssimo Dom João VI em Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, uma chanchada histórica, de Carla Camurati, que virou o filme emblemático da chamada “retomada” do cinema brasileiro. Foi o avô – genial – de A Suprema Felicidade. “Esse eu não podia errar de jeito nenhum. Arnaldo Jabor amava aquele avô e me disse isso ao me chamar para o papel. Não poderia decepcioná-lo.”
Nanini conversa com o repórter no meio da tarde, em São Paulo. Considerando-se que ele está numa novela no ar, A Dona do Pedaço, não foi complicado conseguir que a Globo o liberasse para promover o lançamento do filme? “Ah, não, eles estão sendo muito bonzinhos comigo. O núcleo que integro não aconteceu na trama. Havia a expectativa de que estourasse, que o público curtisse todos aqueles velhinhos e velhinhas, mas não funcionou. Ficamos fora da trama, então ninguém está muito preocupado com a gente. Deixa ele ir! Para não prender a gente no estúdio, eles têm reunido nossas cenas e gravado em bloco. Facilita para todo o mundo.” Nanini não encerra a entrevista sem fazer alguns comentários. Agora que se assumiu como “velho”, não é o ator de 71 anos que fala. Parece ter 100 anos, mais até que os 90 que Fernanda Montenegro está comemorando, em alto estilo. O diretor Armando Praça, de 41 anos, “é um moço talentoso, confiei plenamente nele”.
Diz que Praça atualizou a peça com sensibilidade. “O texto foi montado durante a ditadura, é de um tempo em que gay era visto com preconceito e motivo de piada, para as pessoas rirem. Armando resgatou a humanidade do Pedro.” Sobre Denise Weinberg, de 63, com extensa carreira no teatro, cinema e televisão, não deixa por menos. “Essa moça é maravilhosa.” Se Greta Garbo é a inspiração para Pedro, o diretor não deixa por menos. “A Daniela, personagem dela, canta. Queria que a diva da Denise fosse nordestina, como eu. Denise é uma arraso recriando Bate Coração, de Elba Ramalho, numa versão para ela.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.