De integrante do grupo Titãs e músico-solo, o cantor e compositor Nando Reis pode ser chamado oficialmente agora de band leader. Bonito isso, não? Nando também não acha nada má essa condição, para a qual já mostrava uma quedinha no projeto "Nando Reis e os Infernais – Ao Vivo MTV" e endossa em seu novo CD, "Sim e Não"(gravadora Universal), by Nando Reis e Os Infernais, com direito a letras garrafais e destacadas na capa.
Os Infernais em questão são a banda da qual Nando é líder e, segundo ele, um dos componentes. Formado ainda pelo tecladista Alex Veley, o guitarrista Carlos Pontual, o baterista Diogo Gameiro e o baixista Felipe Cambraia, o grupo começou a se configurar como tal de cerca de seis anos para cá.
"A origem dos caras que formam Os Infernais tem a ver com meu segundo disco, ‘Para quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro’. Quando fui gravá-lo em Seattle, eu estava num dilema: tinha acabado de produzir um disco da Cássia Eller e estava à procura de uma saída para meu próprio disco. Precisava de uma sonoridade que puxasse por aspectos do meu gosto musical que até então não tivessem sido trazidos à tona."
Foi então que ele conheceu Alex Veley, ao assistir a um show dele com sua banda, em 1999. Nando identificou ali alguém que poderia ajudá-lo nessa busca por uma solução musical. "Ele toca todo tipo de música que eu gosto, mas como ele é americano, faz parte da formação dele toda essa cultura de soul, funk, que eu gosto tanto." Chamou Alex para a gravação de seu CD. Para a turnê, vieram os outros agregados. Vislumbrava-se um lampejo de Os Infernais. "Vi que eu tinha vocação para criar uma banda e poderia, diante da minha disponibilidade, oferecer uma agenda para essa banda e acreditar que ela poderia ser minha banda."
Já no CD "Ao Vivo", Nando disse que achou por bem dar crédito à sua banda, devidamente batizada. "Nesse ‘Ao Vivo’, a identidade já havia sido criada, precisava só denominá-la", explica ele. "Os Infernais têm uma qualidade técnica, carismática, que atingia principalmente aqueles que iam ao show sem saber o que encontrariam, que som eu iria tocar. Aquela idéia do Nando produtor da Cássia, baixista do Titãs, cantor de MPB, que trabalhou com a Marisa Monte. Isso tudo até o disco ao vivo era algo muito comum."
Nando se diz membro da banda, mas, obviamente, como fundador dela, desfruta de plena liberdade. Em todos os sentidos: do processo criativo de um disco até a condução de um show. São as delícias conquistadas quando não se é mais um dentro da banda e se está à frente dela. Para o compositor, sua condição não poderia lhe parecer mais confortável. "Eu traço o trajeto, como autor, compositor, cantor, que toma a frente, se comunica com o público, fala com a imprensa. É diferente de um trabalho em que tudo é distribuído, principalmente se eu for comparar com a única diferença que tenho de banda, que é os Titãs. No grupo, a distribuição era muito equilibrada, muitos autores, muitos cantores."
É cercado por essa trupe que Nando Reis faz sua incursão mais profunda pelo universo do amor – o que ele já fazia em trabalhos anteriores, mas de maneira dispersa e menos coesa. É uma pequena obra sobre o amar. Do ponto de vista do homem, da mulher. O amor que dá saudades, que dá tristeza, que dá alegria, que dá dor-de-cotovelo. O amor pela vida, pela liberdade, o amor paternal. "De certa maneira, é meu modo de falar com o mundo. Em todos meus discos, há esse enfoque", conceitua. "Nesse caso, talvez, fique mais acentuadamente caracterizado por isso, porque há, em algumas músicas, uma ênfase em aspectos que até então eu não tratava."
É interessante constatar como que, para cada compositor, esse processo de se construir um CD funciona de maneira diferente. Para Nando, não existe nada preconcebido em sua cabeça. Para este novo trabalho, ele diz que as letras passaram a fluir, uma a uma, e de repente, intuitivamente, formaram um repertório com esta unidade. "Existem duas situações: uma delas é você pensar na música como célula única, quando você está compondo; a outra é pensar numa perspectiva coletiva."
Nas letras, ele gosta de brincar com os antagonismos de sentimentos, com as ambivalências de pontos de vista, a partir do homem e da mulher. Resvala na sexualidade. Presta homenagem à sua musa, Nani, em rompantes de saudades que explicita em canções como "N" e "Sou Dela" (esta, com uma levada dançante e vocais brincalhões). Satisfaz o desejo da filha, Zoe, de ser lembrada numa canção e o faz em "Espatódea" – e acaba satisfazendo o próprio desejo de cantar sua ruivinha.
Há lampejos autobiográficos no meio do caminho, o que não é de se estranhar quando o amor e suas variantes alimentam as composições, como se sente em "Caneco 70", em que ele tece uma longa narrativa de um amor do passado. Ou da inevitável dor de quem ama, como descreve em "Pra Ela Voltar".
E se como letrista, Nando mergulha de cabeça num universo que vinha tateando em trabalhos anteriores, musicalmente sua marca continua lá, com variações aqui e acolá, provavelmente fruto de contribuições de seus músicos. "Acho que o CD avança, alarga meus limites de sonoridades, de arranjos. Menos monotimbrista que ‘A Letra A’, mas, ao mesmo tempo, tem repertório poeticamente mais enfático."
Quando o assunto é o campo da composição, Nando afirma que, às vezes, se sente um pouco uma espécie em extinção. "Muitos caras da minha geração morreram. Não que os que estejam vivos não façam coisas boas, mas é muito marcado por tragédias." A turnê de "Sim e Não"deve começar em maio e o músico avisa que declinou do convite de participar do Rock in Rio – Lisboa, por causa de questões empresariais.
