Uma hora depois do show realizado em João Pessoa, na Paraíba, no último fim de semana, Nando Reis já estava em seu quarto de hotel, com o violão ao lado. Colocou o instrumento no colo e, nas suas cordas e acordes, se perdeu. Deu por si quando o relógio já marcava 5h e teria apenas duas horas para dormir antes de pegar o voo de volta para São Paulo. Intensa e sincera – bem-sucedida, diga-se de passagem -, a relação do músico com o instrumento, iniciada quando ele tinha 7 anos de idade, ganha um registro íntimo físico nesta sexta-feira, 27, com o lançamento do disco Voz e Violão – No Recreio – Vol. 1 (Deck/Relicário).
Gravado em um show realizado no Citibank Hall, em São Paulo, em uma noite de abril deste ano, o álbum expõe a solidão frágil de um músico acostumado a tocar para multidões, mas sempre acompanhado de sua banda, Os Infernais, responsável por acompanhá-lo desde a saída dos Titãs.
Ali, no espaçoso palco, com o violão colado no corpo, a voz de Nando tremula, nervosa. Após cantar N, ele se dirige à plateia para algumas palavras introdutórias. “É com imenso prazer que estou aqui, diante de vocês, nessa crueza, despido do meu lado infernal, embora contendo ele internamente, afinal de contas somos todos celestiais e infernais”, diz. “Não é à toa estar aqui hoje, diante de vocês, neste palco, fazendo este show que, por mais estranho que pareça, eu que já tenho tantos anos de estrada e carreira, estou aqui iniciando. Não acredito, não quero dizer que essa é uma nova fase. (Digo) iniciando porque é primeira vez que faço isso. E confesso que estou um pouco nervoso.” Palmas e assobios de aprovação para ele.
Ao jornal O Estado de S.Paulo, meses depois, Nando explica o nervosismo. “Um show de voz e violão, faço esporadicamente. É adequado para espaços menores. Ali, eu toquei para 3,7 mil pessoas. O espírito desse formato, que me diverte, é por ser um show pequeno, mais coloquial. Com a liberdade de repertório”, diz.
O projeto nasceu assim, como é mostrado no palco, de forma despretensiosa. No começo do ano, em fevereiro, Nando foi chamado para se apresentar em um projeto do Sesc Pompeia chamado Sala de Estar – encerrado na última semana, com shows de Lenine. Os quatro shows, também em voz e violão, formaram a gênese da proposta exibida em abril, na casa de shows muito maior, na zona sul da cidade. “Aqueles shows (no Sesc) acabaram se tornando uma pedra fundamental para esse disco”, concorda Nando. “Eles me levaram a olhar novamente para músicas que eu gostava, mas tinha deixado de tocar. Foi tão divertido desafogar algumas coisas.” A proposta acústica permitiu ao músico encontrar espaço para fugir daquilo que ele chama de “ciência de um roteiro” de show, uma alquimia que inclui os hits mais certeiros, as músicas indispensáveis e um pequeno espaço para novas inclusões, como canções do álbum mais recente ou lados B menos populares. “Dei uma revisitada em algumas canções, em termos de audição, de olhar a minha própria discografia. Ouvi novamente algumas músicas”, conta.
A carreira de Nando transcorre pelas cordas do seu violão no palco. All Star e Relicário, grandes hits presentes no álbum Para Quando o Arco-Íris Encontrar o Pote de Ouro (2000), são ovacionadas pelo público que o assistiu na casa de shows paulistana. Assim como Cegos do Castelo, gravada no Acústico MTV, com os Titãs, e depois na carreira solo, no álbum Infernal. Do Sei, o mais recente de estúdio, de 2012, ele escolhe as ótimas Sei e Lamento Realengo.
Pela primeira vez, ele registra Diariamente, faixa famosa na voz de Marisa Monte. Durante a execução da canção, cujos versos já têm 24 anos desde que foram cantados por ela no álbum Mais, ele troca “sábado” por “hóspede”. Riu, mas seguiu para a frase seguinte, essa, sim, acertada: “Para a cama de mola: hóspede”. Ao fim da canção, agradece os aplausos e comenta o erro. “Pô, errei a letra. Que saco. ‘Para aumentar a vitrola: hóspede’. Não tem nada a ver”.
São nuances como essa que trazem uma sinceridade cada vez mais incomum em registros ao vivo, no qual diretores pedem para que os artistas repitam essa ou aquela canção diante de algumas imperfeições. O Recreio, que está no título do disco, também traz o caráter descontraído do trabalho, como o momento do lanche e das brincadeiras, no intervalo entre as aulas das crianças. O Vol. 1 é ainda mais autoexplicativo: pode vir mais por aí. Por enquanto, Nando se prepara para a gravação de mais um novo disco.
Há oito, nove semanas, Nando Reis foi capaz torcer o dedo da mão no chão, ferir o ligamento e ficar impedido de tocar violão por um mês. O instrumento foi deixado de lado por um mês, por recomendações médicas. Aos poucos, a lesão sarou e o convívio de ambos voltou. “Sou meio compulsivo. Se você deixa o violão muito tempo de lado, se irrita porque não está tocando tão bem”, diz Nando. Quando está em São Paulo, o músico passa seus dias com a mulher e os filhos. “Seria muito egoísmo da minha parte”, diz. Basta sair em turnê para o instrumento voltar a tirar-lhe algumas horas de sono. “O violão é meu grande companheiro de viagem. Dorme até na minha cama.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.