Na prisão

O que pode acontecer quando uma das referências de quadrinhos japoneses undergrounds é presa por porte ilegal de armas? Se esse quadrinista for Kazuichi Hanawa, prepare-se para o mais surpreendente resultado em História em Quadrinhos: Na Prisão, uma obra autobiográfica que conta os anos em que ficou na cadeia por conta de uma de suas excentricidades: colecionar armas de brinquedo. Algumas dessas armas que adquiriu foram modificadas e se tornaram perigosas armas de fogo. No dia 8 de dezembro de 1994 Hanawa resolveu experimentá-las nas montanhas mas foi flagrado pela polícia japonesa.

Apesar de ser réu primário e de ser um desenhista reconhecido internacionalmente e respeitado nos meios intelectuais, sua condenação, meses depois, foi sumária: três anos de detenção em regime fechado. De dentro da penitenciária, Hanawa respondia às cartas dos amigos contando sobre os livros da penitenciária que teve oportunidade de ler, o cardápio da semana, da abstinência por cigarros, da relação com os companheiros de cela, as tarefas do dia-a-dia.

Aliando seu talento à situação insitada pela qual passou, Hanawa, ao sair da prisão, tornou-se colaborador da Revista Ax e passou a publicar as anotações que fez aos amigos em forma de uma série de desenhos. Sob a visão bem-humorada e irônica típica de Hanawa, o leitor conhece o cotidiano de uma prisão japonesa.

A começar pelo uniformes de cada tipo de condenado. Os que trabalham na administração, os que colaboram na cozinha, os que atuam nos serviços de carpintaria, além de descrever o uniforme de verão e o de inverno.

Também fala sobre os cardápios dos presos e surpreende-se com a quantidade e qualidade dos pratos servidos. ?O que eu acho mais impressionante é que eles trazem comida pra gente todo dia sem falta. Como conseguem? Será que eles têm um caldeirão mágico??, comenta Hanawa, o personagem principal de sua história. ?Aqui eu me sinto como se vivesse protegido, envolto em algodão macio?, completa.

Todas as ilustrações foram feitas com base em sua memória, já que lá dentro não era permitido desenhar. Apesar disso, elas são extremamente realistas. Até sua prisão, Hanawa expressava tudo na forma de ficção. A trágica experiência fez dele um especialista na arte de retratar a realidade. ?Penso que o poder dos desenhos de Hanawa é sustentado por uma fantástica memória visual?, afirma o crítico literário Tomhide Kure, amigo de Hanawa.

A grande maioria das obras sobre experiências na prisão acabam caindo no denuncismo, criticando o caráter opressivo do cárcere ou abordando temas como despotismo dos funcionários da prisão. A série de Hanawa não contém qualquer tom de denúncia e não se parece em nada com um relato de um preso arrependido dos crimes que cometeu. Certamente a experiência penal cumpriu sua função. Ele aprendeu a lição. Mas não parece estar arrependido.

O julgamento

Para alguns de seus amigos , como o crítico Tomhide Kure, que serviu como testemunha no caso e assina o prefácio da obra, sua condeção serviu como exemplo aos demais. ?Antes do julgamento, eu havia conversado com uns amigos advogados e todos eles disseram que Hanawa certamente seria libertado sob fiança. Eu também acreditava nisso?, conta Kure, que vai buscar uma explicação no contexto histórico para a prisão de Hanawa.

Após a queda do regime soviético, por alguns trocados, militares russos contrabandeavam armamentos no litoral de Hokkaido, Japão. Na cidade de Sapporo, onde vivia Hanawa, via-se com bastante freqüência cartazes exigindo que o porte ilegal de armas de fogo fosse combatido. ?Portanto, considero a hipótese de que a pena aplicada à Hanawa tivesse a intenção de servir como exemplo para os demais?, completa o crítico Tomhide Kure.

A defesa tentou recorrer da sentença. Todas as apelações foram negadas. Até que chegou ao ponto de o próprio Hanawa não autorizar novas apelações e ser levado para a prisão.

O autor

Nascido em 1942, Kazuichi Hanawa publicou seu primeiro trabalho na revista Garo – sinônimo de underground no Japão -, em 1971. Era uma história claramente inspirada nos mangás surreais de Yoshiharu Tsuge, sobre um garoto que é mandado pela mãe a um acupunturista sádico para corrigir seu mau comportamento. Porém não demorou muito para que Hanawa consolidasse seu próprio estilo, com histórias de horror, fantasia e violência ambientadas no período medieval japonês.

Embora os temas explorados no início de sua carreira o aproximassem do estilo ero-guro (erótico grotesco), a obra de Hanawa vai muito além desse universo. Muitas de suas histórias são muito mais uma paródia do militarismo e dos valores tradicionais japoneses do que uma simples sucessão de bizarrices.

Em meados da década de 1980, depois de um longo período de inatividade, Hanawa aos poucos foi abandonando a influência do ero-guro e passou a produzir histórias de horror e fantasia com maior detalhamento histórico, reproduzindo minuciosamente roupas, armas e costumes da Idade Média no Japão. A partir daí, começou a ganhar espaço em publicações mais comerciais.

Serviço
Na Prisão
Autor: Kazuichi Hanawa
Preço: R$ 35,00

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