No Galpão Fortes Vilaça, a escultura Já Fui Jarro (2015), do artista Barrão, é como um totem – vertical, a obra foi realizada pelo empilhamento de vasos e recipientes moldados em resina, tendo em sua base a forma de um cachorro. “Talvez eu tenha nascido jarro na primeira encarnação e fui me transformando até hoje estar aqui, colando coisas”, diz, divertidamente, o carioca.

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A anedota de Barrão é, na verdade, muito precisa e refere-se a algumas questões importantes de seu processo de trabalho e de sua nova mostra, Paleotoca, inaugurada no espaço que a Galeria Fortes Vilaça mantém na Barra Funda, em São Paulo. Monocromática, formada por 19 peças brancas, esquisitas e belas, a exposição fala de um tempo indefinido, estranho, em que história da arte se mistura ao mais prosaico, criando significações.

Assim como Já Fui Jarro busca algo de ancestral, o título da individual do artista quer dizer, como ele conta, abrigo de um gigante bicho-preguiça pré-histórico. “É como se essas ideias pertencessem a um tempo em que não sabemos onde começa e onde termina”, explica Barrão. A mostra Paleotoca torna-se, afinal, uma “caverna”, um lugar em que formas geométricas e mesmo a cor pura – menções ao moderno – convivem com objetos extremamente contemporâneos, coletados em supermercados e depois moldados em resina.

Desejos Mentais (2015/16), por exemplo, é uma peça que pode ser vista como uma natureza-morta quase morandiana, entretanto, feita do molde branco e fidedigno de um garrafão com intervenções do escultor. Geo Milho (2015/16) é o mesmo caso – uma caixa de isopor tem em seu interior três espigas de milho resinadas e compostas como linhas. “A arte moderna é um comentário muito particular do processo, é um trocadilho, na verdade”, afirma Barrão. “É engraçado recorrer a um tipo de composição geométrica, séria, de planos, e usar elementos tão banais para isso, mas que me interessam muito”, completa.

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Na obra Vol. I, II e III (2015), criada com livros, Barrão chega a um resultado completamente “formal”, mas em outras peças, chocalhos, frutas, embalagens plásticas, um rádio, galho de árvore, caixote e até uma escultura de São Longuinho e uma fita cassete foram moldados em resina (depois de o artista ter experimentado o uso do gesso nas obras de sua exposição Fora Daqui, apresentada em 2015 na Casa França-Brasil, no Rio) e combinados das maneiras mais diversas. Há ironia na operação do escultor, como também a referência a um modo brasileiro – “a gente mistura tudo”, resume.

Ao agrupar coisas que, a princípio, não teriam relação entre si, Barrão cria imagens poderosas e, ao mesmo tempo, deixa o espectador livre para desenrolar as narrativas. Mais ainda, é intrigante o fato de os objetos do cotidiano ganharem uma outra aura e se apresentarem como que esculpidos em tradicional mármore (o que ocorre pelo uso da resina e da cor branca).

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Artista que iniciou sua carreira com a Geração 80 – e integrante do grupo Chelpa Ferro ao lado de Luiz Zerbini e Sérgio Mekler -, o carioca, que vai fazer 57 anos, vinha realizando esculturas compostas como colagens de louças e fragmentos de peças colecionadas por ele. Agora, em Paleotoca, cores, funções e características naturais dos variados materiais são destituídas por Barrão. “Para fazer esses trabalhos, precisava criar uma regra, uma ordem, que foi descontextualizar as coisas mais do que fazia nas outras obras”, conta. Sendo assim, é como se os objetos “quase morressem” para depois voltarem com uma nova vida – inesperada.