Neste país as fontes inspiradoras, que se irradiam da sua rica diversidade de temas e motivos existentes, são tão imensas quanto o seu tamanho quase continental. Portanto, aqui, exercer a originalidade criativa e criadora deveria ser uma regra moral lógica. Porque então copiar, imitar, macaquear tanto? Olhai, não os lírios no campo, mas os macaquinhos nas matas da Amazônia, por exemplo. Eles, por certo, possuem muito mais personalidade do que muitos autores fogos-fatuos que pirilanpejam por aí.
É notória a impersonalidade dependente-imitativa que aqui grassa. Arraigada, profunda, visceral. E geração após geração cai nesse mesmo valo. Como se fosse essa febre da imitação um mal genético, hereditário e impossível de ser extirpado. Às vezes parece que agem assim, forçados, como sob o domínio de uma força onipotente, maligna e incapacitadora. Onde a personalidade criadora e criativa é débil ou inexistente, torna-se muito fácil inocular aquilo que se quer inocular. Com muito menos esforço do que precisou Anton Pavlov para condicionar seus cães. Porque faltam ali também o espírito critico e a autocrítica. As exceções serão sempre as mesmas e honradas exceções de sempre.
Mas como esta compulsiva e desesperada necessidade de copiar ?de fora? existe, então, ao menos, poderia-se copiar exemplos positivos. Pois ?lá fora?, além fronteiras, também os há. Todavia, ao que parece, isso não atrai, não tem nenhuma graça. E assim copia-se tudo o que há de ruim. . Pois ?lá fora?, além fronteiras, também os há, o negativo, o ruim. Copia-se principalmente se esse ruim é originário da Terra do Big Stick Brother, lá ao Norte do Rio Grande, bem de cima. Imitation. Como se não fazê-lo fosse uma imperdoável traição às regras que América-norteiam e regem esses imitativos. Seria também como ir contra a imposição dessa necessidade do puro copiar por parte da monada. E, além disso, porque não agradar ao padrinho?…
?Que venham sobre nós os vossos ódios?…
Como também vocês já estão cansados de ver e saber, todo filme que vem da Terra do Cinema, lá do Tio Sam, e que tenha personagens alemães, indefectivelmente ?precisa? mostrá-los como sendo eles, os alemães, a escoria do mundo. O alemão é sempre mostrado como o protótipo do monstro horrendamente desumano. Mas ao mesmo tempo, também como uma figura extremamente ingênua, tola e tristemente ridícula. Eis o sempre e imutável, embora já gasto, clichê-padrão. O clichê do alemão bandido e burro. E que necessariamente teria que se imprimir também nessa minissérie national aqui em foco. É a leal observância à lei da fidelidade imitativa. Amém.
Que se mostre o alemão como sendo uma criatura má e cruel, além, claro, de ser um perfeito bobalhão, esse perverso e vulgar comum, já não surpreende. Conheço muitas pessoas que não gostam de alemães. E que não fazem nenhum segredo disso. Mas que, no entanto, honestas, abertamente dizem que já estão cansadas e enjoadas de ter ante seus olhos este sempre requentado estereótipo servido de novo. Há muito que esse continuo injuriar contra a raça alemã, transformada em saco de pancada oficial, não pode faltar. A sua eventual supressão até causaria estranheza, reflexão e desequilíbrio. Por isso continua lá. Diabolicamente, imprescindível. Onipresente também na televisão, na literatura, nas histórias em quadrinho e nas frases de cunho comparativo-despreciatívo. Está presente até mesmo em algumas frases da propaganda comercial.
Aliás, a tal da pequena série na tv, desde o seu começo, vai mal das pernas e das braçagens locomotoras. Mal se consegue mover para cá e para lá, sobre aqueles trilhos entortados da irrealidade, e onde o pobre e podre combustível são o sexo e as tramóias.
Olhando-se por esse prisma, chega-se à conclusão que aqueles hediondos personagens alemães, naquela minissérie da tv, com toda a sua horrenda maldade, no mínimo forneceram um convincente combustível para manter bem vivo este mórbido, injusto, mas imperdoável ódio. Ódio que, no entanto não se pode chamar de gratuito. Porque os odiados estão sempre pagando. Mas aqueles amazônicos alemães maus, forneceram combustível também para mover esse trem da fantasiosa e mentirosa fantasia; daquele pobre e desnorteado enredo. Serviram para que a historinha toda não ficasse a patinar de vez, no fiasco total…
Nessa novela curta (imagine se fosse longa…) as mentiras tem pernas curtas. Também quando mostra um índio-fantasia, de mãos decepadas pelos ?malditos alemães? como ali vocifera um dos personagens, o engenheiro-chefe da companhia. Aliás, já num dos primeiros capítulos, a mesma figura xinga: ?Alemães de m…? .E nos subseqüentes, sempre de novo, pontualmente, aqueles ?trabalhadores alemães? da encenação são alvos de pesados impropérios e condenações. Mas que simpática atitude discriminatória por parte daquele canal de tv! E viva este país de todos!…
Um autor, por obrigação até, tem de ter fantasia e criatividade. Mas jamais ser um recalcado e mórbido mentiroso. E muito menos tem ele o direito de difamar qualquer grupo étnico que aqui no Brasil se encontra. Porque a presença continua de frases, opiniões e sentenças odiosamente discriminatórias contra os alemães? Uma maligna campanha orquestrada? Afinal, isto é ou não é uma discriminação racial? Não se fala sempre, à exaustão, que aqui não pode haver discriminação inter-racial? Basta prestar atenção aos meios de comunicação que lembram disso todo dia. O Brasil é o País de todas as raças que para cá vieram. Mostrar uma raça, premeditadamente, como má e cruel não é isso puro racismo? E porque então essa visível discriminação injuriosa àquele grupo de alemães da minissérie? E que se repete por todo o desenrolar da noveleta. Com a insistência e a higiene de uma mosca varejeira.
Quem ?compôs? essa história, também mostra abertamente a sua própria história: A de um complexado e patológico xenófobo. Em pleno ano de 2005, e aqui, neste país de tantas raças?…
Além do mais, quem espoliou e dizimou os povos indígenas do Brasil não foram os integrantes dos diversos grupos raciais que para cá vieram, emigraram. Porém há mais de 500 anos foi e é gente daqui mesmo quem fez e vem fazendo isso. Este massacre, estes roubos, sempre partiram daqui mesmo. Enquanto devemos à um grande número de cientistas e antropólogos europeus, muitíssimo do que hoje sabemos a respeito da nossa flora, fauna e dos povos indígenas do Brasil.E em particular da Amazônia. Eles vieram de longe e aqui pesquisaram sob severas condições. Mas, abnegados e idealistas. E não poucos dentre eles foram alemães. Nem os alemães nem os outros grupos de emigrantes que escolheram o Brasil, o fizeram para vir aqui e cortar braços de índios. Mas vieram com ideais e para trabalhar duramente. Muitas vezes como escravos pagantes. Oh! Infame noveleta!
É visível que aquela locomotiva não se sente nada à vontade nessa história oca e recheada de mentiras. O seu lento bracejar, o seu desanimado apito, mostram isso. Pobre velha Baldwin! Também você é uma estrangeira aqui.
Deslocada no tempo e na imoral. Antes de chegar ao final desses tortos trilhos, resfolegando desanimada, você, que hoje ainda está na sua tradicional e sóbria cor negra, ficará vermelha de vergonha.
A velha e decente locomotiva apita. E enquanto isso as novas e descentes cortesãs descem, descem…
Em 500 anos de Brasil, incontáveis multidões de índios chacinados ou mortos por pestes a eles criminosamente transmitidas pelos novos senhores da terra. E como se isto não bastasse, legiões de africanos foram arrancadas de sua África e a força, brutalmente, trazidos para cá. Sofrimentos, sangue derramado e mortes por séculos. Realidades que lançam tétricas e indeléveis sombras a macular a História Nacional. Uma pergunta: Existem no Brasil, em algum lugar, monumentos em memória a esses povos massacrados? Isto eu gostaria de saber. Ou esses monumentos ainda não foram erigidos porque o massacre não terminou ainda?
Em tempo: O meu primeiro nome, Ivahy, é um nome indígena do Paraná. Orgulho-me por ter esse nome e sou muito grato ao meu pai. Por ele, imigrante alemão, vindo ao Paraná em 1921, e desde logo apaixonado pelo Brasil, e pelo Paraná em particular, ter me dado este nome de índio.
E algo que há muito me intriga: Porque só tão poucos entre tantos brasileiros ? muitos até com sangue índio em suas veias ? tem nome indígena?
Tampouco os imigrantes, em sua maioria, que para cá vieram nos dois séculos passados, foram sempre recebidos de braços abertos. Não vinham eles com más-intenções. Mas vieram decididos a trabalhar duro. Atraídos por cantos de sereia. Propagandas enganosas que lhes acenavam com um novo mundo, onde poderiam logo melhorar de vida. Um paraíso. Mas também o idealismo os moveu. Todos com suas já há muito desenvolvidas culturas nacionais. Quase sempre profissionais definidos e com muitos mestres entre eles. Porém, chegados aqui, descobriram os imigrantes que bem outra e diferente era a realidade daquilo que lhes fora prometido. Nos primeiros e brutais tempos, na verdade, tiveram eles que trabalhar como que escravos pagos, mas pagantes também. Além do mais, tiveram que suportar não poucas descriminações, deboches e também injustas e vergonhosas perseguições e agressões.
Que esse preconceituoso autor dessa minisexsérie, dessa deturpação histórica, pegue primeiro no seu próprio nariz. E seguramente haverá de achar ali o suficiente de sujeira própria.
…E eis que aqueles abjetos ?malditos alemães? reapareceram! Nem poderiam faltar, ?esses alemães de m…? São eles de presença imprescindível para chocar e acordar do marasmo esse azedo abacaxi plantado naquela franca zona que a Amazônia não mereceu. E se não fossem eles, os alemães, esses já clássicos sacos de pancada, como se poderia personificar e mostrar, encarnado, o Mal Absoluto, o crime hediondo? Deste modo pôde-se também mostrar que o deus, evidentemente um deus bem globolizado, castiga de verdade os meninos maus. E se eles forem alemães, melhor ainda!
…E então, lá vieram eles, rio abaixo, os alemães. À primeira vista aquilo me pareceu ser uma grande travessa com paella. Um prato espanhol, ali? Mas quando olhei melhor e vi melhor, percebi que aquela massa disforme não era uma paella. Eram os maus alemães. Haviam sido trucidados e jogados numa barcaça à deriva. Ninguém os chorou. Ninguém puxou um lenço para enxugar uma furtiva lágrima por eles. Só para tapar o nariz. Pois estavam picadinhos e podres, os ruins alemães. Bem feito! Finalmente estavam em seu lugar certo e merecido. Mas uma vez alemães foram exemplarmente castigados. Final feliz. Como num filme americano.
Além de atrair a atenção do distinto público telespectador para a noveleta, e alavanca-lá com a sua horrenda maldade, algo mais de positivo e vantajoso para a televisão fizeram aqueles alemães mausmaus: Com ampla e prática visão do futuro típica virtude germânica , eles sabiam porque estavam podando aquele índio esquisito da história, cortando-lhe as mãos. Antes disso, o pobre índio, desconhecido, com elas apenas só roubava pentes e espelhinhos no acampamento dos trabalhadores da ferrovia. Sim, os ruins alemães maus sabiam que com aquela poda de mãos, estavam criando não apenas um exímio pianista, mas um verdadeiro virtuose do piano.
Diferente, infinitamente superior a todos os outros pianistas, tão comuns, com aquelas suas duas mãos e rigorosamente com dez dedos em cada uma. E este pianista índio! Sem mãos, sem dedos. Porém, com dedões dos pés sem par! E assim, deste modo, graças à maldade alemã, as mais seletas platéias do mundo iriam agora poder se enlevar com as divinas interpretações do famoso índio Joe Pétoco. Sobretudo com as suas duas obras-primas: ?Sonata a dois dedões? e ?Samba de um dedão só?. Vejam como há podas que vem para o bem!
Numa noite dessas, comentando em casa que aquela míserasérie estava cada vez mais miseravelmente fraca e insípida, minha filha de onze anos de idade disse: ?Pai, é porque não tem mais alemães. Eles estão sem assunto.? É verdade! Com este objetivo pensamento e nesta sintética sentença, tinha a criança acertado o prego na cabeça. De fato. Matando aqueles alemães (sempre tão providenciais!…) da história, perderam os produtores da novelinha também o tambor-mór. Que dava o rufar despertador durante o enrolar daquele sonífero lero-lero.
A minissérie, porém maxi-fiasco, cambaleava para o seu merecido final. Perdida em seu próprio vazio. E nada mais difícil do que achar um fim para uma coisa vazia.
No campo de batalha como sob a mira do ódio, os alemães ficam sempre até o fim.
Então, por isso que logo depois foram eles trazidos de volta às cenas, pensei eu. Ainda que apenas em menções. Os alemães, mesmo mortos e enterrados, eram ainda mencionados nos capítulos do estertor final, apenas por falta de conteúdo no enredo vazio.
Algo assim como tapa-buracos. E eles são agora mencionados já sem tanto ódio visível! Até furtivos e velados elogios surgem. Esporadicamente. Não, os xingamentos aos alemães seguramente não cessaram. Apenas momentaneamente foram pendurados num prego. Guardados para daqui a pouco serem outra vez usados. Com toda a força. Não se iludam.
Mas tudo tem de se olhar e se pesar melhor.
Percebo então que não é apenas para preencher os vazios finais daquela noveleta, o desenterrar dos maus e mortos alemães. É, sem dúvida, o espírito da verdadeira verdade histórica quem está ali intervindo. É sob sua imposição que, involuntariamente, alguns dos figurantes-atores não conseguem se furtar de elogiar, um pouquinho ao menos, os alemães. Ainda que breve e baixinho. E dizem: ?Sem os alemães, não poderemos construir os aterros? Ora, ora… Até o próprio, descaracterizado, ?empresário norte americano? Faca-quar comenta que ?Sem os alemães o trabalho não vai.? Ora, ora… É de certo por isso que ele depois desaparece de cena, abandonando tudo… É dessa maneira, baixinho e sem querer, se reconhece àquelas velhas qualidades alemãs: Liderança, obediência, determinação e uma disposição incansável para um diligente e duro trabalho.
Todavia, difamações fantasiosas continuam sendo criminosas mentiras. E mentiras têm pernas curtas e quebráveis. Tanto num cenário amazônico como em qualquer outro canto deste mundo. Mundo que gira pesado, porque pesado está ele de mentiras e mentirosos.
Louvados sejam outra vez os Deuses do Banhado!
Aquela deprimente história em episódios e ódios, degradante em imagens, palavras e intenções ?- eis que esta nefanda droga vai chegando ao seu melancólico fim. Porque também aquilo que é ruim, em algum lugar do tempo termina.
Requiscat in inferno!
Depressa! Escancaremos as janelas de nossas salas, de nossos lares. Para que se dissipem ao ar renovador da noite, os resíduos, resquícios e respingos de mais este desastre novelesco-televisivo. Sim, a história toda foi de se chorar. Porém não de emoção. De raiva! E o que restou naquele amazônico mundo, que tão bem poderia ter sido um magnífico cenário para ali se erigir uma inteligente e fascinante história-epopéia? O que restou disso tudo?
Se o jacaré não chorar todas as suas lágrimas de crocodilo e se ele não precisar emprestar da seringueira todas as suas borrachudas lágrimas de látex, então se poderá fazer uma borracha. Uma grande borracha para apagar a má, a péssima impressão, que essa minissérie deixa.
Mas, olhem! O que se vê lá, bruxuleando, vermelho, em meio às trevas da noite do nada? Parece vir dos trilhos da linha férrea. Será um sinal de alarme, lançado por um daqueles antigos lampiões ferroviários? Olhemos melhor, mais atentamente. Não, não é a luz vermelha do perigo na linha, vinda de um velho lampião ferroviário. Mas é aquela clássica lâmpada vermelha, aquela famigerada lâmpada do amor mercenário, pendurada sobre a porta de uma dessas casas de má-fama e de grande tolerância…
Finis piranha est.
Ivahy Detlev Will é da Academia de Letras do Vale do Iguaçu – União da Vitória PR.