O escritor Ignácio de Loyola Brandão conversava, há mais de um ano, com amigas na Fundação Carlos Chagas, quando ouviu um velho bolero no rádio de uma secretária. “Nossa, eu me vejo diante do clube Araraquarense, aos 20 anos, no final da domingueira”, comentou o cronista do jornal O Estado de S. Paulo. A frase provocou o comentário de uma das amigas, que se transformou em desafio: “Você tem muito episódio da vida ligado a músicas? Por que não escreve um livro?”
“Fiquei pensando nisso e fui trabalhando: memórias de infância, adolescência, juventude, maturidade. Cuba, Roma, Paris, São Paulo, Araraquara, tudo me passou pela cabeça”, conta o autor, que autografa nesta terça-feira o fruto de seu trabalho, “Solidão no Fundo da Agulha” (Fundação Carlos Chagas). Além dos textos, o volume traz imagens do fotógrafo Paulo Melo Jr. e um CD com canções interpretadas por Rita Gullo, filha de Loyola.
São 32 crônicas que remetem a lugares e canções que marcaram de forma especial a trajetória do escritor – como o relógio da extinta loja do Mappin, no centro da cidade, imagem que ilustra a capa do livro; ou canções como “Quizás” e “Amado Mio”. “Poderia ter feito um livro de 500 páginas se conseguisse reunir lembranças suficientes para justificar músicas que continuam em minha cabeça”, comenta o escritor. “Detalhe: não guardo uma melodia e nem uma letra. Mas basta ouvir algum trecho, que me vem à memória um momento, atual ou antigo.”
A fórmula já foi utilizada por Loyola em outro livro, “Veia Bailarina” (Global). Ali, ele elencou músicas que gostaria que cantassem em seu funeral. “Havia de tudo, de gosto popular a ritmos que me embalaram na juventude e adolescência”, conta. “Nessa fase, eu sofria muito (nessa idade, adoramos sofrer), porque não arranjava namorada, era tímido, não tinha coragem de ‘tirar’ as moças para dançar. Daí a lembrança de canções que marcavam as festinhas, os bailes de formatura (sempre com grande orquestras), as músicas tocadas no cinema antes da sessão começar – no cine Odeon, tocou-se por anos a Suíte Quebra Nozes, de Tchaikovsky, preparando a plateia para a abertura de cortinas e o início do filme.”
A criação dos contos baseou-se nos acasos, ocorrências que fascinam o escritor. Um bom exemplo está no texto em que Loyola, enquanto descia uma rua, foi atraído por “Amado Mio”. “Era o caminho inverso ao de minha casa. Eu devia ter ido para o lado contrário, mas não. Levado pela canção, segui a música do filme Gilda. E foi assim que consegui meu primeiro emprego em São Paulo, quando pensava em desistir, depois de tentativas fracassadas de conseguir trabalho.” A obra, entre escrita e reescrita, consumiu nove meses de dedicação. O resultado, segundo o autor, não é um livro longo, mas intenso.
Quando surgiu a ideia de formatar o livro na Fundação Carlos Chagas, a coordenação do projeto LivrosPara Todos (iniciativa da entidade) sugeriu que Rita Gullo gravasse um CD com as músicas citadas. A cantora se entusiasmou com o projeto, foi atrás das canções. “Nenhuma é do tempo dela, mas Rita se emocionou, formou um conjunto, todos jovens”, comenta Loyola. “E me foi devolvido o encanto destas canções que me embalaram. Recuperei a emoção de instantes diferentes. Quer dizer, algumas destas canções, que tem mais de 60 anos, tocaram os jovens. Não se vive apenas de Claudia Leite, Luan Santana ou Michel Teló. Há setores, há segmentos, há zonas sem contaminação da mediocridade, do rasteiro.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
SOLIDÃO NO FUNDO DA AGULHA
Autor: Ignácio de Loyola Brandão.
Editora: LivrosPara Todos (168 páginas, R$ 59,50)
Lançamento: Bar Vianna. Rua Cristiano Viana, 315. 3ª, São Paulo, às 19 h.