A cena é rápida e tem o encantamento de uma ilusão de ótica: quando a fada-madrinha lança a mágica, a roupa maltrapilha da menina se transforma em um cintilante vestido azul antes que se dê uma piscada. Em outro momento, sua imagem aparece projetada no fundo do palco e se desfaz quando seu amado se aproxima. Esses são apenas alguns dos truques apresentados durante o musical Cinderella, que estreia nesta sexta, 11, no Teatro Alfa.

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Trata-se do primeiro musical do Brasil com efeitos de 3D em holografia. Com isso, dragões sobrevoam e incendeiam a plateia. Há ainda o voo da fada e a presença de gigante que luta contra o príncipe no palco e também invade a plateia. Nem a versão original da Broadway apresentava tais efeitos. “São momentos fascinantes, mas nada derruba a dramaturgia e a maravilhosa trilha”, acredita o diretor Charles Möeller.

Ele tem razão – inspirado na fábula sobre a gata borralheira que se transforma em princesa por um dia e encontra seu grande amor graças ao sapatinho de cristal perdido, Cinderella ganhou uma versão musical para a TV, em março de 1957, estrelado por Julie Andrews e com elaboradas canções de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein, considerados os formadores do musical moderno. Depois de duas novas versões (1965 e 1997), chegou à Broadway em 2013.

“Cinderella é um musical majestoso, lida com o universo da mulher e o direito de lutar pelos seus sonhos. É um clássico, portanto, não pode haver erros”, comenta Möeller que, ao lado de Claudio Botelho, assinou boa parte dos grandes espetáculos do gênero dos últimos anos. Ao contrário do que está acostumado, ele teve um curtíssimo período para levantar uma peça tão rebuscada e carregada de detalhes: cinco semanas.

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Möeller foi convidado pelas produtoras Renata Borges e Raphaela Carvalho, da Fábula Entretenimento, depois de experiências malsucedidas com Jorge Takla (que chegou a anunciar, mas não assumiu a direção), Ernesto Piccolo e Ulysses Cruz. “Só aceitei o convite porque é um musical maravilhoso – se fosse outra peça, não teria aceitado”, contou o encenador.

Com tempo escasso, ele teve de ser preciso – sem se apoiar nos efeitos especiais e dispensando a cômoda opção de contar uma conhecida fábula, Möeller aproveitou a própria regulagem das horas de ensaio para estruturar sua narrativa. “A falta de tempo que me atormentava também me fez notar a importância do tempo na história. As 12 badaladas são determinantes para separar a alegria da tristeza de Cinderella. Também a valsa, ritmo mais presente no musical, é dançada de forma circular, com os casais percorrendo um círculo em sentido horário. Com tudo isso, fui desenvolvendo a forma de contar a história.”

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Essa narrativa circular apresenta surpresas como as atitudes mais feministas de Cinderella. “Ela não é conformada e só aceita seu destino de renegada em uma casa em que é tratada como empregada para manter seu equilíbrio”, conta Bianca Tadini, que conseguiu o papel principal entre mais de 500 candidatas. “Mas Cinderella é uma mulher interessada no que acontece ao seu redor, a ponto de, no primeiro encontro com o príncipe, ela o informa sobre os problemas econômicos enfrentados pelas pessoas da aldeia. É uma atitude moderna.”

A atriz, cuja afinação límpida é um dos grandes trunfos do musical, já se sente mais à vontade em relação aos dois momentos em que a técnica prevalece: aqueles em que seus trapos são transformados em exuberantes vestidos, um azul, outro dourado. “Não posso negar meu nervosismo, mas o resultado é tão deslumbrante que vale a pena.”

O musical traz ainda novidades em relação a momentos marcantes da fábula, como a famosa cena do sapatinho de cristal deixado pela moça e que servirá de pista para o príncipe encontrá-la. Não convém revelar o segredo, mas se pode adiantar que são duas situações diferentes.

“O fascinante do musical é a troca de papéis, ou seja, o príncipe não é um homem com certezas sobre seu futuro”, argumenta Bruno Narchi, que vive Topher, o futuro monarca, seguro ao revelar as ambiguidades do jovem. “É uma bela decisão dos autores, que recolocaram o conto de fadas em um tom mais moderno.”

Para Charles Möeller, tal contemporaneidade incentivou futuros autores a humanizarem as fábulas, revelando pessoas falhas. “Foi o que fez, por exemplo, Stephen Sondheim em Into the Woods.”

O diretor conta ainda com um talento que conhece bem: Totia Meireles como a madrasta. “Charles me pediu: seja má de forma realista”, conta ela. “Achei que não conseguiria, mas o público infantil tem que se acostumar com a realidade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.