A antropóloga Cornelia Eckert. Foto de Izabel Liviski. |
Os museus estão sendo recriados em suas bases arquitetônicas e em espaços virtuais. O suporte material da memória transforma-se em suporte imagético e permite ao usuário que o reproduza e dele se aproprie para jogos de memória no processo do viver no contexto urbano. Profissionais da antropologia refletem sobre o processo de produção da antropologia em seu estudo da diversidade cultural sobre seu saber e fazer. Exemplo da convergência destas preocupações é o projeto desenvolvido pela UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, conforme relato, em sua passagem recente por Curitiba, da palestrante, professora de antropologia visual, doutora Cornelia Eckert, na UFPR – Universidade Federal do Paraná.
?A pesquisa é coordenada pela professora Ana Luiza Carvalho da Rocha e por mim e agrega diversos profissionais da antropologia. Criado em 1997, o projeto consistiu em disponibilizar as produções etnográficas dos professores e alunos sobre a memória coletiva dos habitantes em Porto Alegre em museu virtual, o Biev – Banco de Imagens e Efeitos Visuais. Teórica e metodologicamente partimos de um enfoque antropológico que privilegia as diversas manifestações da cultura urbana local, as memórias individuais e coletivas de seus habitantes?, explicou a palestrante.
Equipe Biev grava entrevista com o antropólogo Ruben Oliven sobre sua relação com a cidade de Porto Alegre (2005). Foto cedida por Cornelia Eckert. |
A disponibilização de um banco de conhecimento na internet visa divulgar pesquisas e permitir o acesso aos documentos por meio de formas interativas de consulta. Eckert explica que ?configurado na modalidade de coleções etnográficas, o Biev reúne documentos textuais, visuais e sonoros antigos e recentes das cidades, oriundos dos projetos de investigação de seus pesquisadores e bolsistas de iniciação científica no contexto da vida urbana local?.
As coleções encontram-se agrupadas, conforme as novas linguagens multimídias, em quatro bases de dados, explica a antropóloga, segundo seus diferentes suportes (textos, fotografias, vídeos e sons) e, apenas posteriormente, irão configurar a base de dados do Biev, apresentada em duas modalidades: Biev-data, posto-fixo-de-consulta (Sede do Banco de Imagens e Efeitos Visuais – sala 108 do prédio do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados/Ilea, no Campus do Vale/UFRGS, Porto Alegre, RS) e na Internet. O usuário pode chegar ao Biev-site pelo endereço eletrônico .
Histórico
As pessoas envolvidas no projeto se preocupam com a memória coletiva junto dos grupos humanos. Eckert contou durante a palestra que a idéia da criação de um software nasceu do resultado de pesquisas de mestrado e doutorado. Ela, junto a comunidades de trabalhadores em minas de carvão, e a doutora Ana Luiza Carvalho, com pesquisas sobre a memória coletiva das cidades brasileiras, em especial sobre Porto Alegre (1990-1994), que tinha o objetivo de analisar os diferentes processos temporais de enraizamento e construção da cidade.
A pesquisadora relata ter constatado que as transformações econômicas levam às rupturas no processo da vida social, como a morte da profissão do mineiro de carvão. A pesquisa etnográfica junto a essas comunidades no Brasil (de 1981 a 1986 e 1992 a 1996) e na França (de 1987 a 1991) buscou dar conta de como essas determinações desarranjam a identidade social do grupo de pertencimento e como pela análise das práticas cotidianas e formas de sociabilidade é possível conhecer como o grupo reconstrói na memória as referências simbólicas do grupo de identidade.
O banco não visa a recuperação de uma história linear. Após a integração das pesquisas das coordenadoras, em 1997, surgiu o projeto de criar um software que permitisse a divulgação de material fotográfico, textual e videográfico suscitado por estas pesquisas em um banco de conhecimento. Em sua exposição, Eckert enfatizou que a partir do estudo da criação de documentos etnográficos hipermídia, como suporte do pensamento antropológico, e sob a ótica do tema da intertextualidade para o caso dos estudos de literatura, o banco de conhecimento levanta um questionamento sobre o estatuto da representação etnográfica no âmbito dos saberes antropológicos.
Enfatiza que sua proposta afasta-se da idéia de recuperar uma história linear de estilos de ?viver a cidade de acordo com a realização racional de periodização do tempo no tratamento espacial da memória. Então os cortes e rupturas são tomados como elementos indutores de narrativas etnográficas do e no meio urbano, sobretudo de Porto Alegre, contexto da maioria dos trabalhos orientados pelas coordenadoras.
Considera também que o projeto Biev em sua perspectiva de museu virtual busca divulgar esta produção antropológica, neste meio acessível que é a internet. Primeiramente, o usuário tem acesso a imagens fotográficas produzidas sobre a cidade em seu acervo e produção original e a partir dela pode interagir com outras imagens, não apenas no suporte fotográfico, mais igualmente em vídeo, som e texto.
A perspectiva de divulgar o patrimônio antropológico, para a palestrante, também processa uma reflexão crítica a respeito das estruturas de museologização do mundo. Seu objetivo é ?explorar o universo das novas tecnologias no tratamento documental dos jogos da memória que se processam no mundo urbano contemporâneo?.
Zélia Maria Bonamigo é jornalista, mestre em Antropologia Social pela UFPR, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.