Neste dia 19 de janeiro, Nara Leão faria 75 anos. Nascida em Vitória, em 19 de janeiro de 1942, foi a mais carioca das cantoras. Numa época de grandes intérpretes, simbolizou como nenhuma outra o canto quase falado da bossa nova.
Aliás, diz a história (ou a lenda), que a bossa teria nascido no famoso apartamento de Nara, em frente ao Posto 4 em Copacabana, zona sul do Rio. A moça, que havia estudado na escola de violão de Roberto Menescal e Carlos Lyra, costumava reunir a rapaziada que bolava a nova música, sob os olhares complacentes do pai, o médico Jairo Leão, e a mãe, Altina.
Há muito mito sobre a origem da bossa nova, por exemplo, que a bossa teria como característica o canto discreto, acompanhado do igualmente sóbrio violão, justamente para não causar reclamação dos vizinhos. Era música de apartamento e tinha de ser cantada baixinho. Mas essa é apenas uma explicação singela para um movimento que revolucionou a harmonia do samba, alterou-lhe o fraseado, propôs novos temas para as letras e, a partir da batida de violão de João Gilberto, tornou-se algo de fato original. E assim, saiu do Rio para ganhar o mundo.
De todas, a voz de Nara era a que melhor vestia esse canto em registro baixo. Elis Regina (de quem não era bom ser inimiga) a ironizava dizendo que não sabia cantar, não tinha volume sonoro. Que nada. Nara era afinadíssima, em sua voz reduzida. E, com seu charme e carisma, revelou-se uma intérprete de ponta.
Estreou na comédia “Pobre Menina Rica” ao lado de Vinicius de Morais e Carlinhos Lyra, em 1963. Ficou famosa após o golpe militar de 1964, quando o espetáculo “Opinião” formou uma espécie de ritual da resistência civil. A intelectual Heloísa Buarque de Holanda escreveu que naquele tempo se ia ao “Opinião” como quem comparece a uma missa cívica.
Mas Nara, que se apresentava ao lado de João do Vale e Zé Kéti, teve um problema de afonia e foi substituída no segundo ano por Maria Bethânia, uma jovem que então ninguém conhecia e abafou com sua interpretação de “Carcará” (o tal do “Pega, mata e come!”).
Mas, como se vê pela própria experiência do “Opinião”, Nara era uma intérprete versátil. Musa da bossa nova – título dado pelo jornalista Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta), cantou o barquinho, a tardinha e o azul do mar, mas não voltou as costas ao samba, ao velho samba de morro. Tornou-se uma cantora de protesto logo que o regime instaurado em 1964 mostrou sua carantonha.
Nesse sentido era muito próxima do CPC da UNE (os Centros de Cultura Popular da União Brasileira dos Estudantes), o que seria previsível dada sua antiga amizade com Carlinhos Lyra, cepecista de carteirinha. Atingiu o auge da fama ao interpretar a singela “A Banda”, de Chico Buarque.
O fato é que Nara interpretava de tudo – e bem. Da música cool da bossa nova pura, ao sambão, canção de protesto e até o tropicalismo que, segundo muitos, vinha para se opor à então decadente bossa nova.
Ela participa do disco manifesto do grupo, “Tropicália” – ou Panis et Circensis, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Os Mutantes, Rogério Duprat, Tom Zé, Gal e Torquato Neto. Na capa do LP, Nara está “presente” no retrato segurado por Caetano. Interpreta uma das faixas, “Lindoneia”. Outro retrato é o de Capinan, em traje de formatura, na não de Gil.
Isso apenas para dizer que Nara jogava nas onze. Ao longo da carreira gravou samba, bossa e até Jovem Guarda. Mas a imagem que fica – a eterna – é cantando bossa nova no banquinho, acompanhando-se ao violão e com os magníficos joelhos à mostra.
Voz contida, afinadíssima, boa divisão rítmica, charme – era um encanto. Um logotipo de um tempo que, se não era de todo feliz (havia a ditadura), sabia produzir figuras deslumbrantes como ela.
Gravou 28 discos. O primeiro, “Nara”, em 1964; o último, “My Foolish Heart”, em 1989, com versão de standards americanos. Todos foram relançados em duas caixas de CDs. Nara morreu nesse mesmo ano, com apenas 47 anos de idade. Quem a viu ou ouviu não a esquece.