Não são necessários mais do que poucos minutos de conversa para que o maestro Alessandro Sangiorgi faça referência à ópera Pelléas e Mélisande, de Debussy (1862-1918), como um “mundo estranho”, um “mundo diferente” ou ainda um “mundo peculiar”. Ele se diverte ao perceber o fato. E vai adiante. “No fundo, é isso mesmo. Não há nada de ordinário em uma música que, para mim, se faz de luz – ou da falta dela.”

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Sangiorgi assina a direção musical da montagem da obra que sobe ao palco nesta sexta, 12, no Teatro Municipal de São Paulo, por conta do centenário do compositor. A direção cênica é de Iacov Hillel, que revisita a produção dirigida por ele em 2008 também no Municipal, com os evocativos cenários de Hélio Eichbauer que, morto no início do ano, é homenageado com o espetáculo.

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Debussy trabalhou em Pelléas e Mélisande ao longo de dez anos, e a obra subiu ao palco em 1902. Ambientada no imaginário reino medieval de Allemonde, a ópera narra a tragédia de um triângulo amoroso entre o casal protagonista (vivido em São Paulo pelo barítono Yupeng Wang e a soprano Rosana Lamosa) e Golaud (o baixo-barítono Stephen Bronk).

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O texto é o da peça do belga Maurice Maeterlinck, o que joga a obra em meio aos movimentos artísticos que marcaram a passagem do século 19 para o século 20. Maeterlinck ficou conhecido como exemplo bem-acabado do simbolismo, que recusava o realismo propondo que a relação entre o mundo interior e o mundo exterior se dava por meio de um olhar subjetivo profundo. Nesse momento, o próprio Debussy seria definido como um autor que reproduzia em música ideias do Impressionismo, movimento que nas artes plásticas fazia uso do movimento, da luz e da cor para propor um retrato acima de tudo subjetivo do mundo que nos cerca.

O próprio compositor não gostava do termo. “Mas quando ele fala que a música começa onde a palavra é impotente para se expressar e que gostaria que sua música parecesse sair da sombra e, em alguns instantes, voltasse para ela, está naturalmente falando de um tipo diferente de narrativa. Uma narrativa onde o silêncio é tão importante quanto aquilo que é dito”, explica Sangiorgi.

Hillel concorda

Ele primeiro chama atenção para o fato de que a ópera reproduz o texto da peça sem alterações, o que já sugere um tipo de ação diferente do que a ópera italiana do século 19, por exemplo. “Não há duetos, tercetos, concertatos, apenas a estrutura criada por Maeterlinck, então em certo sentido dirigir Pelléas e Mélisande é como dirigir não uma ópera mas uma peça de teatro”, ele explica. Ao mesmo tempo, porém, é preciso ter em mente o tempo todo a presença da música e o fato de que “ela leva a estados de espírito específicos”. “Ela fala muito mais do que o texto, continua a expressar aquilo que não pode mais ser dito com palavras.”

Pelléas e Mélisande, por tudo isso, já foi chamada de “teatro da mente”, como se o que estivesse retratado no palco, mais do que uma ação objetiva, fosse o mundo interior dos personagens. “Ao mesmo tempo, porém, essa é uma tragédia, com um fim de fato trágico. A diferença é que ela não é brusca, ríspida”, diz o diretor. “Há o aspecto real, claro, mas ele aparece de uma maneira muito diferente daquilo que existia anteriormente na ópera”, completa Sangiorgi.

Mistérios

Em meio à narrativa, Hillel ressalta que há aspectos misteriosos – uma das essências da relação dos artistas simbolistas com o mundo. “Quem é Mélisande, de onde ela vem? E Genevieve, que aparece e depois some? Há muitas perguntas, mas me parece que o caminho mais interessante é não buscar a todo custo respondê-las. Quem somos nós para reduzir esses mistérios?”, afirma. Sangiorgi segue na mesma linha. “Imagino a partitura como uma enorme tela, mas ela não pode ser totalmente preenchida. É preciso deixar uma parte em aberto para o público.”

PELLÉAS E MÉLISANDE

Teatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s/nº; 3053-2100. Dias 12, 14 e 19/10 às 20h; 17 e 21/10 às 18h. R$ 20 a R$ 120

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.