Iafa Britz veio especialmente de Salvador para assistir, no começo de maio, à filmagem de uma cena importante de Mundo Cão, no Estádio do Pacaembu. O longa de Marcos Jorge estrutura-se no embate entre os personagens de Lázaro Ramos e Babu Santana. A cena filmada mostra Lázaro com um garoto no meio da torcida do Palmeiras.

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Existem cerca de 200 figurantes que vestem verde e branco. Nos efeitos especiais, serão multiplicados para lotar o estádio. A cena de Irmã Dulce, que Iafa produz – por meio de sua empresa Migdal – e a cuja rodagem o repórter assistiu na capital baiana, também envolve efeitos. Uma multidão de 500 pessoas ovacionava Irmã Dulce na recepção ao papa João Paulo II. Virariam 500 mil graças aos efeitos.

O tempo está encoberto e a produtora Cláudia da Natividade, da Zencrane Filmes, empresa de Marcos Jorge – os dois são casados e pais de um garoto de 11 anos -, informa que os efeitos digitais vão proporcionar um esplêndido céu azul. O repórter brinca – “Se chovesse, a digitalização também apagava a chuva?” Iafa rebate – “Não tem perigo. Já pedi à Irmã Dulce, ela garante que não chova.” O clima é de descontração. Já é quase meio-dia e os figurantes comemoram gols hipotéticos desde as 6 da manhã. Fazem muito ruído. Lázaro Ramos abandona seu posto no meio deles e vem conversar com o repórter na tenda armada na lateral do estádio.

Ele ainda tateia para se apossar de seu personagem. “Dentro de quatro semanas eu conto tudo o que aprendi sobre ele.” Lázaro tem feito muitos personagens bonzinhos, ou violentos por força das circunstâncias. Paulinho é seu primeiro sociopata, como define o diretor. Babu Santana trabalha no departamento de combate às zoonoses, recolhendo cães vadios.

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A ação passa-se em 2007, anterior à lei que acabou com o sacrifício dos animais abandonados. Antes, se decorridos três dias os donos não aparecessem para resgatar os cães recolhidos pela ‘carrocinha’, eles eram sacrificados. É o que ocorre com o cachorro de Paulinho (Lázaro Ramos). Ex-policial que ficou rico – e adquiriu poder – no negócio dos jogos ilícitos, ele responsabiliza Santana e parte para a vingança.

Por se tratar de um thriller, e partir de um antagonismo tão forte, o espectador pode ser induzido a esperar um filme maniqueísta, do tipo mocinho versus bandido. Só que é difícil saber quem é quem em Mundo Cão. O repórter pergunta a Lázaro Ramos – pode-se esperar por uma reviravolta no desfecho como aquela que o diretor Jorge e o roteirista Lusa Silveira criaram em sua associação anterior, Estômago? Lázaro vai logo dizendo. “Reviravoltas não faltam. Tem uma a cada 15 minutos.”

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O roteirista, presente no set, esclarece – “Esse filme começou a nascer quando saiu o primeiro corte de Estômago. Marcos (Jorge) e eu tivemos algumas ideias que fui alinhavando. Isso foi em 2007. Comecei a escrever em 2008.” Sobre as reviravoltas – “Queríamos fugir aos estereótipos, tirar o público da zona de conforto. Às vezes, nos perguntávamos – mas será que dá para fazer isso, ou aquilo? Em seguida, a realidade nos atropelava. As pessoas são sempre capazes de coisas muito piores na vida.”

Babu Santana estruturou uma família (com Adriana Esteves). O casal tem dois filhos, um casal. Há um mistério sobre a garota, um segredo que fornece uma das primeiras reviravoltas. E Lázaro, como sociopata, se interessa mais por cachorros e armas do que por gente. Não cachorrinhos de madame – dobermann, rottweiler. O ator psicanalisa – “Ele não sai sem suas feras nem seus revólveres. Os cães também são armas. Aquela coisa da substituição do pênis.” Ninguém é completamente bom ou completamente mau em Mundo Cão, mas Paulinho surpreende o próprio Lázaro, que ainda tenta decifrá-lo. “Minha questão é – de onde vem tanta maldade? Por quê?”

Marcos Jorge reflete – “Embora não tenha nascido com a intenção declarada de espelhar o Brasil atual, o filme faz isso. Não adianta. A gente não consegue fugir quando faz um filme. Toda essa gente na rua, todo esse clamor por Justiça. O problema é de ordem ética. As pessoas querem Justiça, mas muitas vezes querem a justiça delas. Há muita barbárie.”

Curiosa a trajetória de Marcos Jorge. Fez (com Fernando Severo) um filme chamado Corpos Celestes que estreou depois de sua consagração com Estômago. Agora, ao mesmo tempo que filma Mundo Cão, ele finaliza os efeitos de sua adaptação de Os Velhos Marinheiros, de Jorge Amado. O filme vai se chamar O Duelo, é uma produção da Total Entertainment com a Warner, interpretada por Joaquim de Almeida e José Wilker, “que está maravilhoso”, ele anuncia.

O Duelo abre-se para o fantástico, Mundo Cão é um thriller com pitadas de humor. Marcos Jorge adora o cinema de gênero. Num momento de polarização do cinema brasileiro – comédia versus cinema de autor -, seu discurso não é xiita. Defende o cinema comercial inteligente. É o que tenta fazer.

O título Mundo Cão é o mesmo de um famoso documentário italiano dos anos 1960 – dirigido por Gualtiero Jacopetti. Jorge desafia – “Tem uma citação do filme, uma coisa pequena. É para testar os cinéfilos”, brinca ainda.

A estrela do set, neste dia, mantém-se incógnita. Revela-se quando o repórter está abandonando o Pacaembu. É Sandro Di Segno, que estudou computação gráfica em Londres, participou das equipes de Homem de Aço, Thor – Mundo Sombrio, John Carter – Entre Dois Mundos, Harry Potter e as Relíquias da Morte e hoje dirige o Departamento de4 Pós-Produção da O2 Filmes. Ele aciona o drone. Um mini-helicóptero acionado por controle remoto saiu de dentro do túnel pelo qual Lázaro Ramos e o garoto (quem é? Seu nome é Vinícius e foi escolhido entre mais de 100 candidatos) adentram a arquibancada. No estádio vazio produz-se o prodígio da técnica. O efeito é vertiginoso. Na tela, o espectador verá o estádio lotado.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.