A paulistana Ângela Prado nunca teve medo de assumir sua homossexualidade. Quando tinha 16 anos, reuniu a família para comunicar sua opção sexual. Os pais, como já era de esperar, sofreram um baque danado e demoraram a aceitar a idéia. Hoje, eles são os primeiros a conhecer as namoradas da filha.
Há dois anos, porém, Ângela está sem ninguém. Por isso mesmo, resolveu se inscrever no primeiro “Fica Comigo Gay – Versão Meninas”, promovido pela MTV. No programa, essa psicóloga de 29 anos pretende “conhecer alguém para um relacionamento sério, maduro e saudável”. Arranjar uma namorada, porém, não é o único objetivo de Ângela. Ela pretende também utilizar o programa em sua luta contra o preconceito. “Nada justifica a discriminação. As pessoas têm de entender que sexualidade não é para ser discutida e sim esclarecida. E isso a MTV faz muito bem”, elogia.
A versão lésbica do “Fica Comigo” só vai ao ar em outubro, mas Ângela já começou a sentir os efeitos de sua inscrição no programa. Desde que teve o rosto estampado nos anúncios da MTV, ela passou a receber telefonemas de amigos que não via há anos. No prédio em que mora, os vizinhos já deram os parabéns pela coragem de participar do “Fica Comigo”. “As reações estão sendo surpreendentes. Até o zelador do meu prédio já me desejou boa-sorte”, garante. Mas o que surpreendeu mesmo foi o número de inscrições na internet: 300. Para surpresa de Ângela, alguns dos inscritos são homens. “Não acredito que eles estejam agindo de má-fé. De repente, gostaram de mim e querem tentar me ?converter?”, brinca.
Reações
Mas o caminho percorrido até a produção do “Fica Comigo Gay” foi longo e tortuoso. O diretor de programação da emissora, Zico Góes, chega a dizer que só vai ter certeza de que tudo deu certo quando o programa for ao ar. De fato, ele não pensou que fosse ter tanta dor-de-cabeça quando resolveu promover o “Fica Comigo” em agosto do ano passado. Na ocasião, a MTV recebeu e-mails indignados que protestaram contra a audácia da emissora de exibir um autêntico “Namoro na TV” homossexual. “Não achei que o programa causasse tanta espécie. Mas essas reações indignadas só mostram que estamos no caminho certo”, acredita ele. Fora a reação intempestiva do público mais conservador da MTV, Zico teve de contornar também outros obstáculos. Dois dos quatro finalistas desistiram de comparecer às gravações poucas semanas antes da data prevista. Outros dois cancelaram a participação dias antes. Os quatro tiveram de ser substituídos. “Eles morrem de medo de aparecer. E com razão. O preconceito ainda rola solto!”, lamenta Zico.
Discriminações à parte, o resultado do primeiro “Fica Comigo Gay” surpreendeu à própria MTV. As edições heterossexuais do programa costumam registrar uma média de 1 ponto e picos de 2. Já a versão gay alcançou 4 pontos de audiência, índice considerado excelente para a emissora musical. Entre os muitos telespectadores que assistiram à finalíssima do programa estava a própria Ângela Prado. Ela elogia o tratamento dado pela emissora, que não polemizou o assunto. “Eles não fizeram estardalhaço ou sensacionalismo. Abordaram o tema como ele tem de ser abordado: com naturalidade”, enfatiza.
Sem caricatura
A exemplo do que aconteceu com o bioquímico Conrado Gotti, a MTV tornou a escolher uma participante que não se encaixa no estereótipo gay que a tevê está habituada a mostrar. Para combater o preconceito, Zico Góes resolveu escolher pessoas comuns, que diferem das outras apenas pela opção sexual. “Queremos evitar a caricatura. Senão, o projeto dá com os burros n?água”, esclarece. Motivado pelos bons índices do primeiro “Fica Comigo Gay”, Zico Góes pretende fazer outras edições do programa. Se possível, um “Fica Comigo” GLS por mês. “Vamos cumprir nosso objetivo quando programas ditos especiais deixarem de ser especiais”, torce o diretor.
