José Wilker criou uma técnica para avaliar o resultado de seu trabalho ainda no estúdio. O intérprete do homossexual Ariel em “Desejos de Mulher” fica ligado no que considera sua primeira platéia na tevê: os técnicos que gravam a novela. O ator só se convence de que está acertando quando encontra neles alguma reação. “São pessoas que gravam todas as novelas, todos os dias. Eles já viram todos os atores, todas as cenas, não existe mais novidade”, justifica, do alto de seus 32 anos de tevê.
O ator de 56 anos tem se divertido muito ao interpretar um homossexual inteligente, bem-humorado, sensível e, sobretudo, muito elegante. Recostado confortavelmente no sofá da sala de sua casa, no bairro carioca do Jardim Botânico, ele fala mais do que o habitual sobre seu personagem na tevê, o que prova sua satisfação. A relação com os companheiros em cena é o que mais o encanta. “Uma das coisas que garantem o resultado de um trabalho é uma boa coxia”, opina, lembrando que já pensou em gravar os bastidores da novela. A preparação de Wilker e Otávio Müller para viver o casal Ariel e Tadeu é regada a indisciplina e anarquia. Nada de ficar horas se concentrando ou pensando no personagem antes de entrar em cena. Com Vera Holtz, que interpreta Bárbara, os dois cantam, riem e falam muita bobagem. “Quando o cara fala `gravando’ a gente já entra chorando, se for preciso”, brinca, divertindo-se com a própria irreverência.
Além da novela, Wilker grava semanalmente o quadro “Papo de Cinema”, que vai ao ar no “Cineview”, do canal Telecine, da Globosat. O ator comanda há dois anos a transmissão do Oscar no canal e é presença garantida no Festival de Cannes, de onde retornou há menos de um mês. Com voz rouca e pausada, ele analisa em profundidade a situação do cinema, mas ri ao ser chamado de crítico e afirma, em tom irônico, que não é um especialista, mas um apaixonado. “Mesmo que eu não quisesse, teria de ter alguma opinião de tanto fazer e ver. Mas sugiro que sempre desconfiem da minha opinião”, esclarece, com um sorriso no canto dos lábios.
P
– Como foi a receptividade dos homossexuais aos personagens na Parada do Orgulho Gay?R
– Foi ótimo. A gente estava um pouco acanhado quando chegou lá, porque é sempre muito imprevisível o que pode acontecer no meio de uma multidão, ainda mais com 400 mil pessoas reunidas. Mas fomos recebidos com gritos de “Ariel, meu amor” e “Te amo, Ariel”, fomos lambidos, beijados, abraçados e bolinados o quanto foi possível. E foi ótimo. A gente já ia, independentemente da novela. Achávamos que se estamos fazendo estes personagens, valia a pena ir lá para homenagear os caras. Para dizer: “Olha, a gente está aqui com vocês e a gente é a favor da diversidade”.P
– Como você se preparou para construir o Ariel?R
– Eu não me preparei. Eu posso inventar uma teoria, dizer que fiz isso, fiz aquilo, mas a verdade é que eu não fiz nada. Eu sei que deve ser muito sensato que um ator estude, se prepare, pesquise, elabore, mas eu não faço isso. Uma semana antes das gravações, a gente fez uma leitura com o autor. E só. Eu guardei os capítulos em casa e só toquei neles quando comecei a gravar. Claro que tinha uma memória para mim, porque eu já fiz homossexual em filmes e no teatro e já fiz uma mulher no teatro. Então, talvez isso tenha me voltado de alguma maneira, num ritmo, num jeito de me movimentar, de me postar, de olhar, de me virar. Acho que isso é absolutamente irresponsável, mas é a verdade. Eu peguei o texto e fui gravar.P
– Quando você trabalha como ator, como é a relação com o diretor da novela? Ser também um diretor torna mais difícil ser dirigido?R
– Eu gosto muito de ser dirigido. Na verdade, eu preciso ser dirigido, preciso de alguém que mande em mim. Eu sou uma cabeça muito anárquica. Sendo generoso, eu diria que sou uma cabeça criativa. Mas é muito mais anárquica mesmo. Eu preciso de alguém que me diga não. Às vezes eu me comporto como uma criança mimada, indisciplinada, cheia de vontades. Então eu me sinto muito confortável quando sou dirigido. Só é ruim quando eu percebo que a pessoa está insegura na direção.