Mostras em Paris traçam o percurso da arte moderna

Do norueguês Edvard Munch, precursor do expressionismo, aos expoentes alemães dessa escola, passando pelos pós-impressionistas e cubistas, a temporada parisiense de exposições cobre os principais movimentos da vanguarda europeia do fim do século 19 a meados do 20. Curiosamente, os curadores dessas mostras não tiveram a intenção de traçar um mapa cronológico da história da arte moderna. É apenas uma coincidência feliz, em especial para o turista que viaja a Paris nesta época do ano: ele pode começar seu percurso pela retrospectiva de Munch no Centre Pompidou (Beaubourg), passar pela exposição Cézanne et Paris no Museu de Luxemburgo, visitar a coleção de Gertrud Stein no Grand Palais – onde estão alguns dos melhores quadros de Cézanne, Picasso e Matisse -, concluindo o itinerário na Pinacothèque de Paris, que expõe os expressionistas dos movimentos Die Brücke e Der Blaue Reiter. São quatro entre oito mostras fundamentais que ocupam Paris até os primeiros meses do próximo ano.

As outras, embora não digam respeito ao período anteriormente citado, são igualmente fascinantes. O Museu Jacquemart André abriga uma concorrida exposição com pinturas de Fra Angelico (1395-1455), expoente da fase inicial do Renascimento italiano, todas de uma modernidade chocante (retire as figuras de cena e você terá telas de Brice Marden diante dos olhos). Na Pinacothèque de Paris, além de uma ousada mostra que confronta peças de Giacometti com a antiga escultura etrusca, há também uma exposição da coleção Kramer, que tem obras raras dos mestres holandeses antigos, entre eles Rembrandt, Frans Hals e Pieter de Hooch. Finalmente, no Jeu de Paume, a retrospectiva da fotógrafa norte-americana Diane Arbus (1923-1971) reúne duas centenas de imagens icônicas de sua breve – mas marcante – carreira.

Há uma correspondência curiosa entre o simbolismo de Munch – na realidade, um pré-expressionista – e as perturbadoras fotos de Diane Arbus. Ambos tentaram, cada um a seu modo, captar a complexidade de seus contemporâneos, atormentados eles mesmos pelo pesadelo da modernidade – o da angústia, da depressão e solidão. Predomina em Munch uma composição teatral, até mesmo porque sua obra dialoga com a dramaturgia de Ibsen (para quem desenhou cenários), como se vê na tela Sur la Table d’Opération (1902-1903), em que o pintor se retrata sobre uma mesa de cirurgia, observado por dezenas de curiosos. Foi nesse mesmo ano, em Berlim, que Munch feriu-se num acidente com um revólver e começou a fotografar, aproveitando as deformações de sua Kodak de amador para acentuar o aspecto cênico desses retratos que tanta semelhança têm com os das frágeis criaturas fotografadas por Arbus (andróginos, artistas da noite, pessoas com perturbação mental). Tanto em Munch como em Arbus, no entanto, importa menos o cenário do que a presença física desses seres que a sociedade expurgou.

Numa outra direção moveu-se Picasso. A coleção Gertrud Stein comprova sua adesão voluntária ao mundo dos ricos que, de alguma forma, tinham certo poder sobre artistas que, como ele, buscavam a legitimação crítica desses expatriados americanos que, ao visitar o Salão de Outono, em 1905, descobriram a pintura de seu contemporâneo Matisse (com La Femme au Chapeau). Ele, Picasso e Cézanne formam o trio dos favoritos dos irmãos Stein. São, de fato, os principais autores dessa extraordinária coleção, formada na época em que Paris era a capital das artes e da vanguarda europeia, atraindo não só milionários como grandes escritores americanos (Hemingway e cia.).

O projeto ambicioso de reunir na mesma cidade onde foram comprados todos os quadros da família Stein exigiu anos de negociação. Hoje espalhadas pelos principais museus do mundo (inclusive o Masp, dono de um Toulouse-Lautrec emprestado para a mostra, Au Salon: le divan, 1893-1894), as obras da coleção constituem uma aula da evolução da pintura moderna, do pós-impressionista Gauguin (que Leo, o irmão da escritora Gertrud Stein, adorava) ao cubismo inicial de Picasso (fase que ele detestava). Esses nomes revelam igualmente o papel fundamental que tiveram mecenas esclarecidos no advento de movimentos importantes além do cubismo. A família Stein, que inicialmente se impressionou com as cores de fauvistas (Matisse e companhia), apoiaram os surrealistas de primeira hora (como André Masson e Man Ray).

Faltaram os expressionistas, mas isso se explica pela situação política. Com o avanço do nazi-fascismo na Europa, Gertrud Stein fechou o apartamento parisiense e só voltaria com o fim a guerra, em 1945. Quem quiser conhecer as obras-primas desse período deve visitar a exposição Expressionismus & Expressionismi. A França da vanguarda cubista passou à margem desse movimento de grupos como o Die Brücke (A Ponte) ou Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul), o que faz da mostra passagem obrigatória para entender o que veio depois de Matisse, Picasso e Cézanne.

A exposição dos expressionistas alemães, com 150 obras de artistas como Kandinski, Emil Nolde, Ernst Kirchner, Max Pechstein, Auguste Macke e Erich Heckel, serve sobretudo para mostrar que não havia uma convergência de linguagens entre eles. Enquanto Macke é contemplativo e sinuoso, Kirchner opta por temas fortes (seus personagens são angustiados, como ele). Os artistas do Die Brücke (Erich Heckel, por exemplo), abusam das formas angulosas e cores saturadas, agressivas, para traduzir a aspereza da condição humana, enquanto os representantes do Der Blaue Reiter (Macke, Gabriele Münter) usam linhas curvas e cores etéreas. Em ambos os casos, porém, o resultado é um só: excepcional. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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