Mostra une pensamento neoplástico à questão teosófica

Javé, Jesus, Mondrian e Albers. Em dois ambientes da Galeria Raquel Arnaud, a evocação de nomes ligados à religiosidade arcaica e à modernidade artística provoca o visitante laico. No primeiro ambiente, logo à entrada da exposição do artista carioca Daniel Feingold, dois dípticos em preto e branco de grandes dimensões (240 x 280 cm) levam o nome do deus judaico do Antigo Testamento (Yahweh ou Javé).

O curador da exposição, o crítico norte-americano Robert C. Morgan, justifica a escolha do nome da série unindo o processo formal – o esmalte sintético escorrido com a aparência de uma escritura religiosa – ao “plano aleatório de um universo construído sob impulso criativo”.

Já no segundo ambiente, dípticos da série Estrutura prestam homenagem a uma das obras iconográficas da modernidade, a pintura Broadway Boogie-Woogie (1943), que o holandês Piet Mondrian (1872-1944) fez em Nova York sob impacto do ritmo dinâmico da metrópole americana, onde até recentemente Feingold manteve seu ateliê. Subindo um andar, o visitante encontra uma série de 30 fotos chamada Homenagem ao Retângulo, paráfrase da série Homenagem ao Quadrado, iniciada nos anos 1950 pelo artista alemão Josef Albers (1888-1976).

Como se vê, a proposta de Feingold, de unir fontes visuais e referências literárias, é ambiciosa. Ao ler o polêmico livro de Harold Bloom, Javé e Jesus – Os Nomes Divinos, Feingold, de origem judaica, ficou tão impressionado com os argumentos do crítico literário norte-americano que decidiu enfrentar o desafio de criar uma correspondência visual do desencontro entre o deus etéreo da tradição cristã, mais alinhado ao ideal da filosofia platônica, e Javé, o deus hebraico, mais corpóreo. Feingold pintou duas telas em preto e branco na posição vertical e, depois, uniu-as na horizontal.

Desse alinhamento surgiu um díptico e a possível resolução do problema. Mas só na aparência, observa o crítico Robert Morgan, pois, ao contrário do díptico renascentista, em que as figuras dos santos eram interdependentes, na série Yahweh “os dois painéis se unem para formar uma terceira voz”. A obra ganha, segundo Morgan, um “senso ativo de unicidade”, reiterando a singularidade do Deus do Antigo Testamento.

Aí entra Harold Bloom. Para ele, Javé é um deus violento, de poder incomensurável, que nada tem a ver com o deus do Novo Testamento, um profeta amoroso. Para Bloom, os dois não são feitos da mesma substância. Nesse sentido, segundo o crítico, o cristianismo teria se afastado da fé judaica ao retomar o politeísmo primitivo, fazendo com que Deus pai divida seu trono com o Filho e o Espírito Santo.

Também na série Estrutura, o problema formal não está totalmente desvinculado do teosófico, na medida em que a filosofia estética no neoplasticismo de Mondrian tinha suas raízes fincadas na experiência devocional do pintor holandês. Mondrian estava interessado em descobrir como a batida sincopada do boogie-woogie e suas relações com a improvisação jazzística transformavam a ordem natural da música.

Seduzido pelos luminosos publicitários, o movimento dos carros e pela grade ortogonal de Nova York, Mondrian trocou as linhas pretas e cinzas de suas obras holandesas mais antigas por faixas coloridas na pintura Broadway Boogie-Woogie. E Feingold, fascinado pelos princípios estéticos do neoplasticismo – em particular os mandamentos de que a simetria deve ser evitada e os elementos composicionais têm de eleger áreas retangulares – resolveu investigar por conta própria.

“A série Estrutura é um desdobramento de pinturas feitas no ano 2000, quando comecei a usar chassis de espessura diferenciada”, conta Feingold, cujo cromatismo ficou mais acentuado com essa série que presta tributo a Mondrian. “O neoplasticismo é uma fonte inesgotável do pensamento estético, especialmente quando o mundo está enfrentando questões como deslocamento e espaço”, justifica Feingold, cuja formação de arquiteto permite ao pintor que, a exemplo dos artistas do movimento De Stijl, pense a arte como uma questão não isolada da arquitetura e do design. “É uma bobagem alguém sugerir que escolas do passado estejam superadas quando vemos um Frank Gehry, por exemplo, recorrer aos princípios cubistas para projetar museus.”

Feingold, aos 60 anos, envereda por outra trilha não explorada, a fotografia, mas não sem vincular a série Homenagem ao Retângulo à pintura. Suas fotos da série são abstrações geométricas feitas a partir de troncos de árvores secas do Jardin des Plantes em Paris, descritas por ele como uma maneira de reestruturar o espaço, contradizendo a situação arquitetônica. A natureza domada pelo homem, geometrizada pela poda dessas árvores, leva a uma situação que Albers explorou na pintura com a expansão da figura do quadrado. Aqui, Feingold prefere explorar a do retângulo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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