Em 1908, ao ser inaugurado, no trecho final da recém-aberta Avenida Central, o prédio da então Escola Nacional de Belas Artes (Enba) era um ícone do novo centro do Rio. A região, até então colonial, a partir dali era moldada para ser o coração de uma cidade cosmopolita, à altura do século 20.
Junto com os vizinhos Teatro Municipal, Supremo Tribunal Federal (que seriam abertos em 1909) e Biblioteca Nacional (1910), o edifício, em estilo eclético, passou a formar o trecho mais moderno da área mais movimentada da capital brasileira.
Passados 110 anos, a ainda imponente construção – projetada pelo espanhol Adolfo Morales de Los Rios, o mesmo do STF, e tão ampla que ocupa uma quadra inteira, colada à Cinelândia – é hoje, assim como seus pares, símbolo de um centro histórico que passa por novo ciclo de renovação.
Seu ocupante desde 1937 é o Museu Nacional de Belas Artes, testemunha de um processo agora marcado pela instalação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), em operação desde 2016, e o futurista Museu do Amanhã, entregue em 2015 na Praça Mauá, polo oposto à praça dos cinemas.
A instituição foi criada no governo Getúlio Vargas visando à conservação e divulgação de obras representativas da produção artística brasileira dos séculos 19 e 20, em diálogo com a arte estrangeira e o futuro.
A trajetória da Enba, do MNBA e dos prédios que as abrigaram é contada na exposição A Reinvenção do Rio de Janeiro: A Avenida Central e a Memória Arquitetônica do MNBA, que o museu exibe até maio, na esteira de seu aniversário, em janeiro.
Foram reunidos mapas, fotos, documentos, pinturas, objetos e gravuras para refazer a linha do tempo do museu. Suas origens retrocedem a exatos 210 anos, quando da chegada de d. João VI e sua corte de Portugal. O material foi colhido no acervo da casa.
A narrativa começa na primeira escola de artes do Brasil, a Academia Imperial de Belas Artes (Aiba). Fundada pela coroa em 1826, era frequentada por quem não tinha recursos para ir estudar na Europa, e acabou como ponto de partida da coleção que existe hoje.
Ao contrário do que cristalizou sua caricatura, d. João não era só um glutão que fazia vista grossa para as conspirações da mulher, Carlota Joaquina. Em 1816, ele mandara vir da Europa o que a história convencionou chamar de Missão Artística Francesa, pintores, naturalistas e arquitetos que “civilizaram” o pensamento e o fazer artístico da capital, conta a exposição.
São ícones do acervo herdado da Aiba obras de Félix Taunay e Jean Baptiste Debret, além de trabalhos de alunos e professores da escola, como Victor Meireles e Pedro Américo.
O visitante é apresentado a desenhos de Grandjean de Montigny, arquiteto que veio na missão e desenhou o prédio, também no centro do Rio, da Aiba. Em 1890, logo após o advento da República, a academia foi rebatizada de Enba (tudo o que era ligado ao Império passou a ser malvisto); décadas depois, passaria a ser vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Demolido em 1936, o edifício da Aiba viraria um triste estacionamento. Os acontecimentos são relembrados na mostra.
Estão nas paredes imagens da Avenida Central (hoje Rio Branco) novinha, após a abertura, iniciada em 1904 por iniciativa do prefeito Pereira Passos. O público vê ainda uma planta com todo o planejamento da via, seus quarteirões de prédios comerciais grandiosos. Apenas uma parte ainda está de pé. O do MNBA, com vídeos bisotados importados da França e pisos de mármore e de mosaico vindos da Itália, atrai a atenção até de quem passa apressado pela movimentada avenida.
Obras como Panorama da Cidade do Rio de Janeiro – A Capital do Brazil (1837), de Guilherme Briggs, e Estudo para ‘Panorama do Rio de Janeiro: Morro de Santo Antônio e Largo do Rocio (sem data definida, em torno de 1885), de Victor Meireles, levam o olhar para o Rio do século 19, antes das grandes transformações urbanísticas tocadas por decisão do prefeito Pereira Passos e do presidente Rodrigues Alves.
O centro era um amontoado de ruas estreitas de feições portuguesas, nas quais sobressaíam torres de igrejas. A partir de 1903, com as reformas, que tinham também o objetivo de “higienizar” a região, derrubando cortiços e morros e rasgando vias largas – a Central como símbolo maior disso – a inspiração francesa daria a tônica das construções. As grandes obras em Paris na segunda metade do século 19, quando se inauguraram os boulevards e parques que viraram sua marca, foram um norte.
Moldes usados nas últimas restaurações do prédio do MNBA, de dez anos atrás, no escopo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas e por ocasião de seu centenário, trazem as atenções para seu papel neste século 21.
O telhado, construído sem a cobertura de cobre que tem seus pares, foi todo protegido, mas é necessária revisão constante anti-infiltrações. A próxima etapa será a reforma de suas quatro fachadas e das cúpulas da fachada principal, aponta a diretora da instituição, Monica Xexéo, no cargo há 12 anos.
“Desde as comemorações dos 450 anos do Rio, em 2015, viemos pensando no lugar do MNBA nesse cenário do centro da cidade. O prédio é objeto de interesse por sua história e arquitetura. É um museu de 80 anos com um acervo bicentenário”, ela conta.
“Só que a ideia de um museu de coisas velhas ficou para trás há muito tempo: percorremos o arco histórico do século 19 até às últimas linguagens da arte contemporânea. Temos a maior coleção do (pintor pré-impressionista) Eugène Boudin fora da França e, ao mesmo tempo, o (escultor indiano-britânico) Anish Kapoor.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.