Mostra reúne desenhos do caricaturista J. Carlos

Há dez anos, ao preparar sua dissertação de mestrado sobre os primórdios da modernidade gráfica no Brasil, a designer Julieta Sobral mergulhou na obra de J. Carlos (1902-1950), guardada na Biblioteca Nacional. Munida de autorização especial, ela manuseou os originais das revistas mais importantes com as quais o ilustrador e caricaturista, considerado o maior de todos os tempos por seus pares, colaborou. Com as fibras trincadas, as páginas quase se desfaziam em suas mãos.

Julieta então se mobilizou para garantir a perpetuação e a divulgação de seu legado. Juntou-se ao caricaturista Cássio Loredano, apaixonado, como ela, pelo traço elegante e a abrangência da atuação de J. Carlos na imprensa brasileira, e obteve patrocínio da Petrobrás para digitalizar a parte mais significativa de sua produção: as coleções das revistas O Malho e Para Todos, que viveram seu auge nas décadas de 20 e 30, quando ele as dirigiu (o material está disponível no endereço www.memoriagraficabrasileira.org).

A dedicação da dupla rendeu ainda seis livros (e um sétimo, que Loredano já terminou, Reclames – J. Carlos, o Publicitário, à espera de interessados a lançá-lo) e a exposição J. Carlos em Revista, que será aberta nesta quarta-feira, 30, no Centro Cultural Correios, no Rio. São 360 peças, sendo 60 desenhos a lápis originais, que permitem que o visitante conheça os caminhos da arte do desenhista.

J. Carlos é apresentado em suas faceta de cronista de costumes e da política do País – de Campos Sales (1989-1902) a Dutra (1946-1951), satirizou todos os presidentes da República -; publicitário (preparava desenhos e textos); e designer (criou identidades visuais inconfundíveis).

Autodidata, dedicado ao ofício desde os 18 anos, o carioca José Carlos de Brito e Cunha morreu trabalhando, aos 66. Teve uma hemorragia cerebral sobre a prancheta na redação da revista Careta, quando tratava com o compositor Braguinha da capa que faria para o LP que ele lançaria. Loredano fez as contas: “Em 18 mil dias de trabalho, produziu 50 mil desenhos, sem que haja nada feio ou excessivo. O traço e o humor eram certeiros”, avalia. “Quando comecei na profissão, há 30 anos, não o conhecia. Um absurdo! A natureza do nosso trabalho faz com que as pessoas vejam e depois joguem fora.”

A exposição ensina que J. Carlos viveu tempos em que o desenho era mais valorizado do que a fotografia e a caricatura era o chamariz das revistas. “A revista não se pretende eterna, então tem maior capacidade de retratar o espírito de uma época. Foi o que J. Carlos fez”, diz Julieta, que ressalta a modernidade de suas diagramações.

Neta do arquiteto Lúcio Costa, autor do Plano Piloto de Brasília, e diretora do Instituto Memória Gráfica Brasileira, ela tem especial interesse pelo estilo. “As entrelinhas maiores, os fios para emoldurar fotos e textos, o modo de usar o branco para ditar o ritmo da leitura, isso tudo era moderno não só no Brasil, mas no mundo”, assinala, apontando alguns dos destaques da mostra: as páginas de revista reproduzidas em grande escala, para que o público atente a todos os detalhes.

Nas salas do CCC, estão os tipos do Rio documentados por J. Carlos, os banhistas, os foliões no carnaval, os cariocas a flanar pela Avenida Central (hoje Rio Branco), a melindrosa com a boca em formato de coração, assim como seus registros da transformação do Brasil agrário em país urbano – e do Rio em uma cidade modernizada, tendo Paris como norte.

Os herdeiros de J. Carlos mantêm intacto o acervo guardado pelo artista, inclusive instrumentos de trabalho, como lápis, canetas e escovinhas. J. Carlos, a Figura da Capa, documentário de 2009 do bisneto José Brito Cunha, que conta sua trajetória por meio de desenhos e entrevistas, está no YouTube. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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