Por uma feliz coincidência, a retrospectiva do pintor cearense Leonilson (1957-1993), que será aberta dia 19, no Centro Cultural Fiesp, poderá ser visitada na mesma época em que está em cartaz na cidade a grande mostra de Paul Klee (no Centro Cultural Banco do Brasil). Leonilson adorava Klee – e não é necessário muito esforço para notar a evocação de sua obra nos desenhos e pinturas do brasileiro expostos na Fiesp. São 125 trabalhos, muitos deles inéditos, que resumem a trajetória de um artista cujo legado, 3.400 peças, está devidamente registrado em seu catálogo raisonné.
A exposição na galeria de arte do Centro Cultural Fiesp, Leonilson: Arquivo e Memória Vivos, que tem curadoria de Ricardo Resende, revela, além de Paul Klee (1879-1940), outra grande referência de Leonilson, o artista sergipano Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), ex-marinheiro e boxeador que igualmente fez uso do bordado como meio de expressão quando esteve confinado na Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, Rio, que abrigava portadores de doenças mentais. O curador Resende, aliás, dirige o museu que leva o nome do artista.
Tanto Klee como Leonilson e Rosário fizeram de suas obras uma espécie de diário íntimo. Repletas de elementos autobiográficos, elas traduzem o embate de cada um deles com a representação realista, buscando formas de expressão subjetiva distantes do mundo material. Klee acreditava que “a arte não reproduz o visível, torna visível”. Bispo do Rosário ouvia vozes que lhe diziam para representar as coisas terrenas e apresentá-las no Juízo Final. Leonilson fez a síntese dos dois: transfigurou a natureza, identificando-se com montanhas, vulcões e rios como se pintasse autorretratos, revelando ao espectador seu estado psíquico em cada um dos delicados desenhos, bordados ou telas da mostra da Fiesp.
Essa autorrepresentação é bastante nítida no segundo núcleo da mostra, dedicado aos trabalhos dos anos 1980, ou seja, na segunda fase da carreira do artista – o primeiro contempla obras dos anos 1970 e o último, o período derradeiro, o mais radicalmente autobiográfico. Nele, Leonilson, já consciente de sua doença (ele morreu em consequência de complicações advindas da aids), registra sua via-crúcis com referências à simbologia cristã, como na pintura que mostra um operário consertando uma ponte ao lado da imagem de São Sebastião de cabeça para baixo, integrante da última exposição do artista em vida, que integra a mostra.
Com trabalhos emprestados por instituições como a Pinacoteca, a Fundação Marcos Amaro e o Projeto Leonilson, que cuida da obra do artista, a exposição supera em número de peças a primeira retrospectiva dedicada ao pintor em 1995, no mesmo Centro Cultural da Fiesp, dois anos após sua morte. O curador Ricardo Resende observa que as obras da virada dos anos 1980 para a década de 1990 apresentam cores mais vivas como a tela maior amarela reproduzida nesta página, Blood Sucker (1989), que estava numa coleção de Amsterdã. Também desse período é uma tela verde pintada no dia em que Leonilson foi buscar o resultado do exame de sangue que detectou o vírus HIV em seu corpo (agosto de 1991).
A imagem do abismo, do pulo no vazio, é recorrente na obra de Leonilson, lembra o curador, apontando a tela O Peão (1987), em que o artista, em queda livre num redemoinho, reforça a ideia do sacrifício em nome da arte. “Ele frequentemente se retratou como mártir, carregando o mundo nas costas”, diz.
Nem sempre foi assim. A mostra inclui os primeiros trabalhos – o ponto de partida é um peixinho pintado aos 14 anos – que absorvem lições do construtivismo. O curador aponta como principal referência da época o pintor uruguaio Torres-García (1874-1949). É desse primeiro período uma linoleogravura de 1976 que evoca o esquema de construção dos desenhos de Torres-García. A irmã do artista, Ana Lenice, que dirige o Projeto Leonilson, fez uma tiragem póstuma de 100 exemplares dessa gravura que estará à venda por R$ 2 mil. Na mostra serão exibidos documentários sobre o artista.
LEONILSON. Centro Cultural Fiesp. Av. Paulista, 1.313, tel. 3146-7000). 3ª. /sáb., 10h/22; dom., 10h/20h. Abre 19, às 19h30 (convidados). Grátis. Até 19/5.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.