Mostra no CCBB reúne curtas de Kenneth Anger

Na cultura cinematográfica que tem os valores de Hollywood como padrão, os filmes de curta-metragem são muitas vezes considerados de importância menor ou apenas uma fase de aprendizado vivenciada por cineastas iniciantes para, em seguida, partirem para produções de longa duração. Mas, à margem dessa indústria, emergiu uma figura que escolheu a estética do curta-metragem como forma de expressão e de independência e que ainda conseguiu influenciar nomes consagrados do cinema, como Martin Scorcese, David Cronenberg, Rainer Werner Fassbinder e David Lynch: o diretor norte-americano Kenneth Anger. O curta-metragista por opção, de 84 anos, ganha mostra com seus principais filmes, simultaneamente no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio e no de São Paulo, a partir de hoje, até 15 de maio. Anger está no Brasil para conversar com o público na abertura do evento na capital paulista, hoje às 19h30, e no dia 7, no Rio.

Na mostra “Kenneth Anger, o Fetichista Pop” serão exibidos em DVD 19 filmes do diretor, todos restaurados e remasterizados. “Vê-los em tela grande dá uma outra dimensão da obra dele”, afirma a jornalista e curadora Betch Cleinman. Na seleção, estão desde “Fireworks” (1947), filmado em preto-e-branco e protagonizado por Anger, então com 20 anos, e que despertou a atenção sobre seu trabalho, até filmes mais recentes, realizadas nos anos 2000, após uma pausa de cerca de 20 anos na sua produção e nunca antes exibidos no Brasil. “Ele só tendo feito esses curtas, absolutamente influenciou todo o cinema do século 20”, comenta a curadora.

Consta que Anger fez seu primeiro filme aos 9 anos de idade, utilizando uma câmera 16 mm da família, mas que se perdeu no tempo, assim como outros registros que fez ao longo da carreira. A inquietação artística continuou na adolescência, quando, além de fazer curtas, montou uma empresa para exibir filmes europeus desconhecidos em terras americanas. Nos anos 1960, criou junto com Jonas Mekas, John Cassavetes e outros cineastas, o “New American Cinema Group”, para se opor à hegemonia dos estúdios hollywoodianos e à lógica comercial do cinema da época. Quanto a seus filmes, Betch destaca o rigor dele no corte e enquadramento das cenas, influenciado pelo diretor russo Sergei Eisenstein, numa época em que não havia recursos digitais de edição.

Sem Falas – Ainda que seja uma opção estética, a realização de curtas-metragens também foi provocada pela dificuldade de conseguir financiamento para suas criações. “A limitação financeira e em termos técnicos são para ele uma plataforma de criação”, diz Betch. Se o experimentalismo, tanto conceitual quanto temático, ainda causa impacto no século 21, não é de se espantar que ele encontrasse esse tipo de barreira. Seus filmes, que costumam ter entre três minutos e 40 minutos de duração, não têm falas, contam somente com acompanhamento musical. E já foram embalados por canções de Elvis Presley a Ray Charles.

Sensualidade, erotismo, surrealismo, misticismo e ocultismo recheiam os poucos minutos dos curtas-metragens. Em “Invocation Of My Demon Brother” (1969), por exemplo, o cineasta mistura cenas do movimento hippie com um ritual satânico protagonizado pelo próprio Anger, sequências de reportagens sobre o Vietnã, imagens de inspiração homoerótica e flashes de uma apresentação dos Rolling Stones. A trilha sonora do filme foi composta especialmente por Mick Jagger.

Fetiche – O termo “fetichista” do nome da mostra não é à toa, já que a estética masculina, com marinheiros (como em “Fireworks”) e motociclistas, é alvo regular da câmera de Anger. Outra produção conhecida dele, “Scorpio Rising” (1963), também faz parte da mostra. Nela, o cineasta registra integrantes do grupo de motociclistas Hell’s Angels, de Nova York. Mas, segundo Betch, a marca de “pai do cinema gay” que atribuem a ele “é muito redutora”. “Anger mostra o mal estar dessa sociedade fascista do consumo, como fazia (o cineasta italiano Pier Paolo) Pasolini, mas não de uma forma direta.” Na abertura, a primeira sessão da mostra em São Paulo começa às 17h30. No Rio, às 18 horas. Confira no site www.bb.com.br/cultura a programação completa.

Mostra “Kenneth Anger, o Fetichista Pop” – De 4 a 15 de maio. Classificação etária: 18 anos

São Paulo – Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Álvares Penteado, 112). Informações: (11) 3113-3651/3113-3652. Entrada franca (senha deve ser retirada com uma hora de antecedência)

Rio – Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Primeiro de Março, 66, centro). Informações: (21) 3808-2020. Cinepasse: R$ 6,00 e R$ 3,00 (meia), válido por 30 dias, para acesso às mostras de cinema, por meio de senhas, e à videoteca, por meio de agendamento. As senhas deverão ser retiradas 1h antes de cada sessão.

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